À primeira vista, os metais que dão a fúria destruidora às bombas atômicas parecem a mesma coisa: tanto o urânio, quanto o plutônio são mais valiosos que ouro. Ambos cativam a imaginação de países que desejam se converter em potências atômicas. E ambos foram o combustível das bombas que destruíram as cidades japonesas — urânio em Hiroshima e plutônio em Nagasaki.

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Mas acreditar que ambos são iguais deixa de lado uma diferença fundamental: das cerca de 15 mil ogivas nucleares espalhadas pelo planeta, especialistas atômicos acreditam que mais de 95 por cento usam o plutônio para dar origem a sua potência devastadora.

Na qualidade de combustível para as armas, o plutônio é muito mais poderoso que o urânio e é muito mais fácil e barato produzi-lo em grande quantidade. É por isso que alguns especialistas nucleares afirmam não compreender o fato de tanta gente se concentrar no urânio quando avaliam os acordos firmados com o Irã, segundo os quais Teerã vai deixar de produzir plutônio.

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“Foi uma avanço sensacional, mas parece que ninguém se importa”, afirmou Siegfried S. Hecker, professor de Stanford e ex-diretor do laboratório de armamentos de Los Alamos, no Novo México, o local onde a bomba foi criada.

O acordo inédito foi fruto de quase dois anos de negociações e prevê que o Irã limite a produção de urânio e plutônio em troca do fim das sanções internacionais ao petróleo e ao sistema financeiro do país. O acordo foi firmado em julho e será votado este mês pelo Congresso dos EUA. Na semana passada, o presidente Barack Obama garantiu votos o suficiente para que o acordo entre em vigor, apesar da forte oposição dos políticos republicanos.

Contudo, em uma análise incrivelmente complexa que precede esse alinhamento político, as questões e críticas giraram quase exclusivamente em torno do urânio — quanto o Irã poderia enriquecer e armazenar, e como isso seria verificado.

Especialistas atômicos afirmam que focar as discussões no urânio não faz sentido, já que esse é o caminho mais difícil para a fabricação de uma bomba.

Secretamente, há três décadas, o Irã começou a explorar o plutônio e provavelmente estava a poucos meses de inaugural uma usina para produzir o metal quando, no ano passado, as negociações ganharam força e o país concordou em remodelar a usina, dando fim à possibilidade de produzir combustível suficiente para criar uma bomba atômica.

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A promessa feita por Teerã foi uma tremenda reviravolta, de acordo com os especialistas, que afirmam estar frustrados com a briga política e a ingenuidade técnica que obscureceram o que eles consideram ser um dos maiores triunfos do acordo.

“É um verdadeiro sucesso”, afirmou Frank N. von Hippel, físico que assessorou o governo Clinton e agora dá aulas em Princeton. “Fiquei surpreso quando soube que eles estavam dispostos a mudar de rumo”.

Richard L. Garwin, principal projetista da primeira bomba de hidrogênio do mundo e assessor veterano de armas nucleares e controle de armas em Washington, afirmou que as mudanças no projeto são “uma grande conquista”. Ele e outros cientistas assinaram uma carta enviada no mês passado para o presidente Barack Obama, afirmando que o acordo com o Irã é inovador e veio em boa hora.

Veteranos do setor afirmam que a importância do acordo com Teerã se torna especialmente clara em vista da história.

Depois que o Projeto Manhattan foi iniciado em 1942, o plutônio se tornou uma superestrela, enquanto o urânio virou apenas um coadjuvante. Purificar o urânio até que ele se converta em combustível para bombas é incrivelmente difícil, ao passo que o plutônio é um subproduto atômico, o que facilita sua fabricação. Além disso, é preciso muito menos plutônio para produzir uma explosão do mesmo tamanho.

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“O plutônio tem o dobro da potência”, afirmou Ray E. Kidder, projetista de armas aposentado do laboratório de armamentos Livermore, na Califórnia. “Nas mesmas condições, ele proporciona uma arma mais poderosa”.

O plutônio é feito em reatores. Pequenas partículas conhecidas como neutrons atravessam o combustível, dividindo os átomos de urânio em dois. O processo libera energia e mais neutrons, em uma reação em cadeia.

Em um tipo de alquimia moderna, alguns dos átomos de urânio também absorvem neutrons e se transformam em plutônio. Os engenheiros do Projeto Manhattan refinaram esse processo para que o plutônio se tornasse o produto principal. O trabalho é muito mais perigoso que purificar o urânio, em parte porque o plutônio fresco precisa ser retirado dos restos extremamente radioativos do combustível. Entretanto, os resultados são espetaculares.

No dia 16 de julho de 1945, a primeira bomba atômica explodiu no deserto do Novo México. O interior de plutônio tinha apenas 9,15 centímetros de diâmetro. Em seu diário, o presidente Harry S. Truman afirmou que a explosão foi “assustadora, pra dizer o mínimo”. A onda de choque, segundo ele, derrubou quase todo mundo a mais de 9,5 quilômetros do local da explosão.

Quando uma bomba atômica explode, ela se degrada rapidamente, interrompendo as reações em cadeia muito antes que todos os átomos sejam divididos em estouros de energia.

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Naquele dia no Novo México, a ogiva da bomba começou com 6,2 quilos de plutônio. Cerca de um quinto dos átomos se dividiu em dois, produzindo ondas de átomos menores, bem como um flash gigantesco de energia pura. O plutônio responsável pelo flash tinha apenas um grama – o mesmo peso de uma nota de dólar.

O segredo de todas as armas nucleares reside na diferença colossal entre matéria e energia preconizada décadas antes por Einstein com a famosa fórmula E = mc², segundo a qual a energia é igual a massa vezes a velocidade da luz ao quadrado, um número absurdamente grande.

No dia 9 de agosto de 1945, quando os EUA soltaram uma bomba de plutônio sobre Nagasaki, um grama de matéria se converteu novamente em energia. Cerca de 75 mil pessoas morreram. Mais bombas de plutônio estavam sendo preparadas quando o Japão se rendeu.

A União Soviética, a Grã Bretanha e a França usaram plutônio como combustível de suas primeiras bombas atômicas. O metal libera mais energia que o urânio, em parte porque seus átomos emitem mais neutrons quando se dividem, acelerando as reações em cadeia e aumentando a capacidade de explosão da bomba. O alto fator de multiplicação também significa que as ogivas de plutônio são menores e mais leves, de forma que os mísseis podem ser disparados a distâncias superiores.

Especialistas afirmam que a Índia, a Coreia do Norte, Israel e o Paquistão utilizaram reatores para fazer plutônio para armas nucleares.

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Estados avançados utilizam o plutônio principalmente para armas de hidrogênio, que dominam seus arsenais. Uma pequena massa do metal prateado, geralmente do tamanho de uma bola de beisebol, funciona como o palito de fósforo superquente que acende o combustível termonuclear. A ogiva resultante desse processo é mil vezes mais potente do que qualquer bomba atômica.

Soube-se que Teerã estava em busca de plutônio no fim de 2002, no início dos conflitos entre o Irã e o Ocidente. Então, a atenção se voltou para a construção de um complexo amplo para abrigar um reator nos arredores de Arak. O local isolado era cercado por quilômetros de arame farpado.

Teerã afirmava que a usina de Arak iria produzir radioisótopos com finalidades humanitárias, como o tratamento de câncer. Mas à medida que o trabalho progredia no complexo, os vales e montanhas da região foram equipados com inúmeros armamentos antiaéreos.

“É muito bem defendido para um lugar supostamente pacífico”, afirmou Forbes McKenzie, diretor-executivo da McKenzie Intelligence, uma empresa privada com sede em Londres que examinou imagens de satélite daquela região isolada.

Os especialistas afirmam que o armamento antiaéreo de Arak foi ajustado para abater jatos israelenses, que atacaram duas vezes usinas em construção. Em 1981, Israel bombardeou um teatro inacabado no Iraque e, em 2007, destruiu outro na Síria.

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As raízes mais palpáveis do acordo com o Irã datam de 2012, quando especialista no controle de armas começaram a discutir um novo projeto para a usina de Arak. No começo do ano passado, como parte de um acordo diplomático interino, o Irã concordou em parar de fazer melhorias nas suas três usinas nucleares, incluindo o reator em construção.

“O progresso”, afirmou o Secretário de Estado John Kerry a um grupo de repórteres, “está parado no tempo”. O reator estaria a poucos meses de entrar em ação.

Em meados de 2014, as autoridades iranianas surpreenderam os especialistas ocidentais ao concordarem em abandonar décadas de planejamento e refazer o reator da usina de Arak. Eles exigiram uma mudança fundamental que obrigaria a usina a produzir apenas isótopos médicos, ao invés de também produzir o que os especialistas ocidentais estimavam ser o suficiente para fabricar duas bombas de plutônio ao ano. Sem abandonar a ambiguidade diplomática, Teerã nunca admitiu que buscava produzir plutônio para armas.

Há um ano, na casa do embaixador do Irã nos Estados Unidos, em Nova York, os projetistas do reator iraniano exibiram um resumo do projeto detalhado para um grupo de especialistas norte-americanos.

“O projeto era extremamente bom”, recorda R. Scott Kemp, especialista atômico do MIT que trabalhava para o Departamento de Estado dos EUA.

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Para convencer o público sobre o acordo com o Irã, a Casa Branca fez questão de destacar a importância do plutônio. Teerã faz o oposto, afirmando aos iranianos que ainda vai purificar urânio.

Em abril deste ano, quando os diplomatas anunciaram o acordo preliminar, Obama colocou Arak no topo de seus argumentos.

“Em primeiro lugar, o Irã não será capaz de criar uma bomba utilizando plutônio”, afirmou aos repórteres no Rose Garden. “O reator principal da usina de Arak será desmontado e substituído”.

O acordo final, anunciado em Viena no dia 14 de julho, detalhava os limites na produção de urânio, antes de falar do plutônio -- provavelmente para agradar o governo em Teerã.

Obama, em seu discurso na American University no dia 5 de agosto, inverteu a ordem. O Irã, afirmou em seu primeiro argumento técnico, “não será capaz de produzir o plutônio necessário para uma bomba”.

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Os críticos afirmaram que o acordo deixava o Irã livre para prosseguir depois que as provisões do acordo expirassem. A proibição aos reatores de plutônio deve ser mantida por ao menos 15 anos. O governo Obama, por sua vez, afirma que o acordo é melhor do que as alternativas, incluindo a guerra.

Por que a concessão do Irã em relação à usina de Arak desapareceu tão rápido do interesse público? Os especialistas nucleares fizeram uma lista de possibilidades.

Eles destacam que a ameaça militar de um complexo de plutônio em construção pode ser vista como mais abstrata em relação ao sucesso do Irã na purificação de urânio em suas usinas subterrâneas. Estimativas alarmistas afirmam quem o Irã seria capaz de enriquecer urânio o suficiente para uma bomba em apenas três meses.

O acordo do plutônio, acrescentam os especialistas, não tinha pontas soltas. Ele basicamente dá fim aos pedidos do Irã, deixando pouco espaço aberto para oponentes e pessoas que questionam o acordo.

“Não há mais nada para discutir”, afirmou von Hippel.

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Por outro lado, o acordo permite que o Irã mantenha milhares de centrífugas girando para purificar o urânio. Os diplomatas acreditam que essa seja uma concessão razoável. Mas em Washington, isso gerou uma enorme oposição ao governo, com alguns críticos questionando se os inspetores serão capazes de verificar adequadamente os limites à produção de urânio.

Por que o Irã abriu mão do plutônio? Hecker, o antigo diretor de Los Alamos, afirmou que Teerã provavelmente decidiu abandonar o projeto de aumentar seu arsenal. Mas argumentou que a tentativa de preservar boa parte do complexo de produção de urânio mostrou que o país quer manter as possibilidades em aberto.

“Acho que neste momento o Irã realmente não tem interesse de desenvolver armas nucleares”, afirmou em uma entrevista. “Mas mantiveram a opção em aberto”.

Von Hippel, de Princeton, concordou. Ele disse que parecia que o Irã estava em busca de dois caminhos distintos para obter combustível para uma bomba, mas finalmente concluiu que um era o bastante.

“Eles não querem um arsenal. Querem que os EUA saibam que eles ainda podem desenvolver a bomba”.

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Os especialistas afirmam que se o acordo for aprovado, o novo projeto e a reforma do reator de Arak pode demorar até uma década.

E se o acordo não for firmado? Os especialistas creem que o reator de Arak pode começar a produzir plutônio muito em breve. Eles acrescentam que as tropas iranianas parecem ter treinado o bastante com armas e mísseis e estão prontas para a guerra.