Saddam Hussein usa óculos de lentes grossas para enxergar direito. Sofre de um problema na coluna que o obriga a mancar. Este não é o ditador do Iraque que o mundo conheceu e há uma razão para isso: o homem é um mestre do disfarce político.
Sabendo que sinais de fragilidade não combinam com tirania, ele sempre escondeu suas fraquezas de inimigos e até de aliados como parte da estratégia para sobreviver à sangrenta máquina da política iraquiana. Compreender quem é o tirano, descobrir seus blefes e, principalmente, antecipar seus passos, tornou-se arma poderosa na guerra.
Embora os Estados Unidos, além da extinta União Soviética e vários países europeus, tenham armado e apoiado o Iraque na década de 1980, por considerá-lo um bastião contra Revolução Islâmica do Irã, Saddam acabou sendo demonizado por WashingtoN. Mas ele ainda é um herói para muitos árabes por ter desafiado EUA e Israel.
Mas o verdadeiro ditador, diz quem o conhece, está no meio do caminho. Saddam é vil, megalômano, vingativo, mas também paranóico, inseguro e, dizem alguns, profundamente complexado. Para o palestino Said K. Aburish, que trabalhou para Bagdá nos anos 70, é importante afastar um mito comum:
- Saddam não é louco. É o líder árabe mais metódico do século XX. Adepto da realpolitik, não tem ideologia ou coisa que o valha - disse ele.
O presidente do Iraque é filho da miséria e da brutalidade. Nasceu num casebre no vilarejo de Al-Awja, província de Tikrit, no dia 28 de abril de 1937. Sua mãe, Subha, não quis sequer olhar o rosto do filho após o parto. Tentara suicídio na gravidez, deprimida com a morte do marido, de câncer, e a de outro filho de 12 anos. Casada outra vez, permitia que o maridoespancasse Saddam.
Desde cedo Saddam se espelhou em heróis. Como Saladino, que retomou Jerusalém dos cruzados no século XII e Nabucodonosor, o rei da Babilônia. O sucesso em sobreviver a nove tentativas de assassinato e a guerras contra Irã e EUA terminou lhe convencendo de que herdara o mesmo manto de liderança.
Conta-se que seu maior ídolo é o ditador soviético Joseph Stálin. Foi nele que Saddam se inspirou para promover os violentos expurgos que marcaram sua trajetória até o poder, desde que se juntou ao partido nacionalista árabe Baath, aos 19 anos.
Até mesmo a família, principal aliada, sentiu o toque de sua fúria. Em 1995, ele ordenou a execução de dois genros que haviam desertado para a Jordânia - e cometido o erro incompreensível de voltar ao Iraque. Depois de mortos a tiros, os irmãos Hussein e Saddam Kamel Majid foram arrastados por ganchosde açougue cravados nos olhos.
Mas nem a prática de eliminar qualquer um que lhe desperte suspeita foi suficiente para amenizar sua paranóia. O constante medo de ser morto obrigava o tirano a abdicar de coisas simples como uma rotina. Jamais dormia no mesmo local ou por mais de cinco horas. Suas refeições eram preparadas simultaneamente em seus 24 palácios, para que ele escolhesse no último minutoonde comeria. As piscinas de suas mansões - ele adora nadar e água é um símbolo de poder em países desérticos - eram exaustivamente testadas.
EX-AMIGO DOS EUA - Durante alguns anos, a política da Casa Branca foi conter Saddam, mas depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 o presidente George W. Bush escolheu o Iraque como o próximo alvo da sua "guerra ao terrorismo", depois do Afeganistão.
Muitas brutalidades do seu regime foram expostas desde a invasão, como as valas comuns que reúnem os ossos de milhares de adversários políticos, especialmente curdos e xiitas. Mas as tropas americanas não encontraram nada que comprovasse que Saddam possuía armas de destruição em massa e era ligado à Al-Qaeda - as principais justificativas de Bush para a guerra.
Os Estados Unidos iniciaram a invasão do Iraque com um bombardeio aéreo a 20 de março de 2003, destinado a matar Saddam e decapitar o regime do Partido Baath, que ele havia criado com sangue, mão-de-ferro e dinheiro do petróleo.
Mas Saddam escapou e sumiu de vista depois que as forças dos EUA entraram em Bagdá, em 9 de abril de 2003. Do seu esconderijo, ele chegou a divulgar gravações conclamando os iraquianos a combaterem os invasores. Derrubado do poder pelas forças americanas em abril de 2003, ele foi capturado em dezembro daquele ano por soldados dos EUA que o acharam escondido em um buraco perto de Tikrit, sua cidade natal.
Os iraquianos, que viveram durante anos assustados sob o olhar das estátuas e cartazes de Saddam, mal o reconheceram depois de preso: estava envelhecido, descabelado, com uma grande barba grisalha.
O homem cuja palavra foi a lei durante décadas marcadas por guerras, massacres e tortura, está agora à mercê da Justiça iraquiana. E pode ser condenado à morte.
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