Os haitianos têm um provérbio: "Posso até estar com fome, mas estou cheiroso". Só isso explica a cena presenciada pela Gazeta do Povo em Porto Príncipe: num orfanato imundo, onde 35 crianças dividiam no almoço meia panela de feijão com brócolis, um garoto de não mais de 12 anos passava com esmero uma camisa. Quando se deu por satisfeito, colocou a roupa num cabide dentro de um saco plástico, numa imitação pobre das roupas tratadas em lavanderia.

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Em acampamentos ainda mais sujos, encontra-se a atividade incessante de mulheres, curvadas sobre bacias, esfregando roupas. Qualquer cordinha no interior da aglomeração de moradas improvisadas serve de varal. Usam um sabão que se parece com cana- de-açúcar, vendido em canudos e de coloração amarelo clara. Me­­ninas enrolando cabelos e aplicando mechas artificiais também se encontram em qualquer beco.

É assim que os haitianos conseguem se manter sempre engomados – imagens de homens com camisas coloridas e muito limpas impressionaram quando passaram a correr o mundo após o terremoto de 2010.

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O perfume também é muito valorizado. Encontram-se facilmente no comércio das calçadas – que é caótico e está em todos os lugares – imitações das fragrâncias da americana Victoria’s Se­­cret.

Pode-se dizer que essa paixão contribui para a autoestima dos haitianos – que, altivos, xingam com frequência as tropas militares da ONU, pedindo que vão em­­bora do Haiti.

O apuro no vestuário tem raízes centenárias e pode ser descrito como uma característica formadora da cultura haitiana. Há quem diga que o gosto pelas roupas coloridas, limpas e bem passadas tenha se originado junto com a resistência aos colonizadores franceses, expulsos do país após a sangrenta independência conquistada em 1804.

Créole

O idioma créole, misto do francês com línguas africanas, também é motivo de orgulho. O estrangeiros ouve com frequência a pergunta indignada – você não fala créole?!

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O som de fala exaltada com cadência francófona enche as ruas, mas nas escolas o principal idioma é o francês, que também é a opção para a língua escrita. "É um problema o fato de não escrevermos na língua em que falamos", diz a médica haitiana Ro­­siane Siméon. Existe um movimento contrário, porém, já que há cerca de 15 anos o créole também passou a ser ensinado nas escolas.

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