O escândalo pela agressão sexual de uma jovem por um estudante na Universidade de Stanford, que ressoou no mundo inteiro, reabriu o debate sobre os estupros nos campi de universidades dos Estados Unidos.
“Este caso simboliza a cultura do estupro em nossa sociedade”, disse Amy Ziering, produtora de um documentário sobre o tema, The Hunting Ground .
Contudo, muitos se indignaram após a pequena condenação anunciada em 2 de junho após o estupro cometido pelo agora ex-estudante da universidade Brock Turner, de uma jovem inconsciente: seis meses de prisão, mas só a metade de cumprimento efetivo.
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Na opinião do juiz, uma condenação de prisão mais longa poderia afetar “severamente” Turner.
As afirmações do pai para buscar a compaixão do juiz foram a gota d’água, ao afirmar que mandar seu filho para a prisão por “20 minutos de ação” era uma pena “muito dura”.
Mas uma comovente carta de 12 páginas, escrita pela vítima de Turner, lida no tribunal e depois publicada na Internet, foi o que comoveu o país.
“Você não me conhece, mas você esteve dentro de mim”, começa o texto.
“Você tomou meu valor, minha privacidade, minha energia, meu tempo, minha segurança, minha intimidade, minha confiança em mim mesma, até hoje”, continua a vítima.
Além disso, uma petição pela destituição do juiz Aaron Persky, que condenou Turner, conseguiu mais de 1 milhão de assinaturas.
O escândalo levantou também comentários sobre os privilégios dos brancos nos Estados Unidos.
Uma militante dos direitos civis, Misee Harris, publicou uma foto de Turner ao lado da de um ex-jogador de futebol americano negro, Cory Batey, que enfrenta de 15 a 20 anos de prisão por ter participado do estupro de uma mulher alcoolizada.
O assunto chegou, inclusive, ao mais alto escalão do Estado. O vice-presidente Joe Biden escreveu uma carta à vítima na qual a descreveu como uma “lutadora” e exaltou sua “impressionante coragem”.
“Me uno a seu grupo de defensores, porque nunca chegam as palavras para aqueles que sobreviveram: eu acredito em você. Não foi sua culpa”, escreveu Biden. “Sua história já mudou vidas”.
- “Nem se incomodem em chamar a polícia” -”De maneira geral, as universidades e os institutos de ensino superior lidam muito mal com casos de abuso sexual nos campi, tanto na prevenção quanto na resposta”, explicou Michele Dauber, professora de Direito em Stanford, que lidera uma campanha pela renúncia do juiz Persky.
Amiga da vítima, Dauber acredita que a sentença de seis meses de prisão, com apenas três de cumprimento efetivo, minimiza a gravidade dos fatos.
“Temos aqui a vítima ‘perfeita’, que fez tudo ‘certo’: ir à polícia, apresentar uma denúncia, submeter-se a um exame médico. Inclusive tinha testemunhas... e, apesar disso, não obteve justiça”, completou.
“A mensagem de tudo isso é: nem se incomodem em chamar a polícia, não terão justiça”, declarou.
Segundo uma pesquisa nacional, uma mulher em cada 10 nos Estados Unidos é vítima de violência sexual. Outro estudo da Universidade de Brown, de 2015, constatou que mais de uma mulher em cada seis havia sido violentada durante seu primeiro ano universitário, sobretudo em estado de embriaguez ou de incapacidade de se defender.
Amy Ziering acredita que, apesar de tudo, o escândalo de Stanford dá uma visibilidade “sem precedentes” ao problema.
“Existem 14 milhões de pessoas que, em cinco dias, leram a carta na internet e responderam, isso é algo que nunca vi”, declarou.
“Isto provocou uma discussão que nunca tinha visto”, disse Dauber. “Um debate sobre privilégios, direitos e o sistema de justiça”.
Em Stanford, alguns denunciaram a atitude da universidade. A direção do estabelecimento “ainda não apresentou desculpas ou expressou alguma compaixão com a jovem”, destacou Dauber. “Ao invés disso, elogiaram-se pelo bem que fizeram”.
Uma petição, que circula na internet, pede à universidade que publique os nomes de estudantes que sofreram agressões sexuais. Diversas manifestações estão previstas para este domingo à margem das cerimônias de entrega de diplomas.
Funcionários da universidade recusaram pedidos de entrevistas. A instituição se limitou a dizer que “fez tudo o que esteve ao seu alcance para garantir a justiça no caso”.
Turner - que teria saído de Stanford antes de ser expulso - foi colocado em prisão preventiva por temores sobre sua segurança, e foi proibido por toda a vida de participar de competições nacionais de natação”.
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