O sonho de buscar a liberdade para a África do Sul moldou Nelson Mandela mais do que seus sonhos pessoais como ele disse uma vez, ser sul-africano significava ser politizado desde o nascimento, quer se tenha consciência deste fato ou não.
Órfão de pai ainda menino, Mandela foi viver com seu padrinho e seguiu os rituais de sua tribo, estudou em uma escola inglesa na qual, em suas palavras, "Éramos ensinados que as melhores ideias eram as inglesas, e que o melhor governo era o governo inglês, e que os melhores homens eram ingleses. E estávamos convencidos disso".
Cursou Direito na Universidade de Fort Hare, onde conheceu membros do Congresso Nacional Africano (CNA) como Oliver Tambo, com quem foi expulso ao buscar melhorias na universidade.
Inconformado com a inércia do CNA, fundou, juntamente com Tambo e Sisulu, seu braço armado: o Umkhonto we Sizwe ("A Lança da Nação"). O Apartheid foi oficializado em 1948 quando o Partido Nacional chegou ao poder. Com isso, os negros foram impedidos de participar politicamente e de ter acesso à propriedade da terra.
Da prisão, o seu caminhar para a liberdade começou em 1982, quando, juntamente com seus companheiros, ele foi transferido para um regime penitenciário mais ameno em Polismoor. A pressão mundial contra o Apartheid aumentava. Quando, em fevereiro de 1985, foi oferecida a chance de trocar a sua liberdade condicional pelo incentivo em prol do fim da luta armada, ele recusou.
Quatro anos depois, o presidente Frederik de Klerk anunciou a libertação do então mais antigo prisioneiro político do mundo. Foi um momento difícil, segundo o bispo Desmond Tutu, pelos boatos de que "Mandela valeria mais morto do que vivo".
Porém, a libertação de Mandela após 27 anos não significou o fim da luta. Havia todo um caminho a ser construído que deveria ser trilhado por meio da reconciliação, redução do espírito revanchista e da busca pelo processo democrático. Espaço fundamental para o Mandela pós-prisão, envelhecido e marcado pela luta.
O homem desconfiado e preocupado com a fragilidade do processo entrou em ação e, juntamente com Frederick de Klerk, abriram o caminho para a abolição do Apartheid. Por esse trabalho, ambos ganharam o Nobel da Paz em 1993.
No ano seguinte, a África do Sul testemunhou suas primeiras eleições multirraciais. O CNA obteve 62,65% dos votos e, em 10 de maio, Nelson Mandela foi eleito presidente da República.
A Presidência de Mandela ocorreu sobre gelo muito fino. O ar era de desconfiança e ele precisava criar um cenário em que coubessem pessoas e não raças. Recebeu críticas e elogios, não conseguiu transpor o enorme abismo social entre brancos e negros, mas conseguiu manter o projeto firme.
Entregou a Presidência dedicando-se a causas. Virou pop, ganhou shows e manifestações. Sua figura aparecia em momentos difíceis do país como um recado: "Não desistam!" Em seus últimos anos de vida, ele foi deixando de aparecer em cena. Em parte pelos problemas de saúde, em parte para deixar que os mais novos construíssem uma nova realidade sem ele. Talvez por consciência de que sua era política havia terminado.
Na virada do século 21, a figura de Mandela representou o antigo e a luta, ao mesmo tempo em que simbolizava que o novo só seria conquistado com a persistência do sonho. Talvez o homem Mandela quisesse nesses últimos anos ter sua parcela de família que o ativista Mandela havia tirado dele. O homem que não havia sido morto pelos seus carcerários.
Talvez como Colombo antes dele, Mandela tenha tirado do mar suas esperanças assim como, do sono, a força de seus sonhos.
*Tereza Cristina Nascimento França é doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.