Com sua resposta à crise hondurenha que deu ênfase ao diálogo e caiu bem entre a opinião pública latino-americana, os Estados Unidos deram um importante passo para uma nova era de relações mais calorosas com a região.
Pode ser ainda muito cedo para proclamar essa ideia, já que a suspeita sobre as intenções dos EUA permanecem fortes na região depois de oito anos do impopular governo Bush e décadas de intromissão norte-americana na região.
O presidente Barack Obama provavelmente vai enfrentar ameaças mais diretas aos interesses dos EUA do que as da crise de Honduras em uma região onde Washington tem amplas divergências com uma nova geração de líderes socialistas.
Mas o rápido apoio dos EUA ao presidente hondurenho deposto, Manuel Zelaya, apesar de sua tendência política esquerdista, aliviou a irritação na América Latina, onde impera a percepção de que a região ou era alvo de intromissão por suas políticas ou totalmente ignorada pelo governo de George W. Bush.
"O governo Obama pôde tirar proveito deste momento para mostrar que este não é o governo Bush e esta é uma nova era", disse Julia Sweig, diretora de Estudos Latino-Americanos do Council on Foreign Relations, em Washington.
A posição em relação a Honduras seguiu outras indicações de uma nova atitude de Obama, que apertou as mãos do presidente venezuelano e inimigo dos EUA, Hugo Chávez, e ajudou a romper um impasse regional sobre a comunista Cuba e a construir uma relação forte com o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da maior economia da região.
Analistas dizem que o governo Bush estava caminhando na mesma direção nos últimos dois anos de mandato, mas o mal-estar persistiu em questões como o apoio inicial de Washington a uma tentativa de golpe contra Chávez, em 2002.
"O legado do governo Bush é ainda tão grande e a agenda do governo Obama tão extensa", disse Robert Pastor, professor de relações internacionais na American University, em Washington, e principal especialista em América Latina no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca de 1977 a 1981.
"Vai levar algum tempo antes que se possam discernir as diferenças de atitude, o que eu acho que será inevitável."
A resposta dos EUA ao golpe de 28 de junho em Honduras, na qual se uniu às nações latino-americanas na condenação à derrubada de Zelaya, é amplamente vista como motivo para tirar de Chávez a razão para os ataques ferrenhos às políticas "imperialistas" dos EUA na região.
A decisão de Obama de fechar a prisão da base naval de Guantánamo como centro de detenção de estrangeiros suspeitos de terrorismo e sua promessa de retirada do país do Iraque, revertendo políticas de Bush que foram grande fonte de revolta na região, deve também facilitar a adesão de governos moderados a Washington.
Mesmo líderes moderados em países como Brasil e Chile haviam se distanciado dos EUA nos últimos anos e expandido seus laços com a China e a Europa.
Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil, no Woodrow Wilson Center em Washington, disse que o interesse de Obama de aceitar um acordo para permitir que Cuba retorne à Organização dos Estados Americanos (OEA), em junho, já havia mostrado uma grande diferença em estilo e substância em relação ao governo anterior.
"Creio que a estratégia de Obama é que os EUA fiquem na posição de ouvinte e em muitas instâncias em uma posição de aprendizado das mais bem-sucedidas democracias na região", disse ele.
"Nesse sentido, temos espaço para desdobramentos positivos."
Brasil tem papel-chave
Apesar de ganhar aplausos por sua atitude em relação a Honduras, a crise está longe de acabar e um fracasso dos EUA em manter seu apoio a Zelaya pode ainda dividir a região. Conservadores em Washington têm criticado o apoio dado a Zelaya.
Embora Chávez tenha ficado quieto em relação à questão hondurenha por vários dias, depois de comentários inicialmente belicosos, ele se lançou novamente de volta ao centro do palco ao dizer que as conversações mediadas pelos EUA na Costa Rica estavam mortas antes de começarem e que a Casa Branca havia cometido "um erro grave" em pedir negociações.
Em seu programa semanal de TV, no domingo, Chávez acusou o "império ianque" pela crise hondurenha e, em seu típico estilo sem meias palavras, disse ao presidente dos EUA que "pare com sua hesitação" e faça mais para resolver o problema.
O Ministério de Relações Exteriores da Venezuela chamou na semana passada a secretária norte-americana de Estado, Hillary Clinton, de "grossa e agressiva", depois de ela ter insinuado em uma entrevista na TV que Chávez reuniu poderes demais e estava silenciando os críticos.
Pastor disse que o grande desafio de Obama é nutrir melhores relações com países com governos de esquerda, nos quais muitas políticas são democráticas e progressivas, e ao mesmo tempo lidar com mais firmeza com líderes esquerdistas que têm "tendências autoritárias".
"Não sei se Obama pode ser bem-sucedido nisto porque ele não pode ser bem-sucedido se o Brasil não assumir alguma liderança na questão - eles estão muito quietos há bastante tempo," disse ele.
Lula posicionou o Brasil como mediador entre Chávez e os EUA, já que mantém laços amistosos com os dois lados, mas raramente critica as políticas do líder socialista venezuelano ou as de outros esquerdistas radicais, como o presidente da Bolívia, Evo Morales.
Lula foi o primeiro líder latino-americano convidado a ir à Casa Branca depois da posse de Obama e o presidente norte-americano deixou claro que vê o Brasil como o parceiro mais importante dos EUA na região.
Ele pediu a Lula esta semana que ajude a convencer o Irã de que deve manter um programa nuclear pacífico, num sinal de que deseja que o Brasil assuma um papel mais ativo no mundo.
"Obama e Lula compartilham algumas coisas, como o fato de serem figuras que representam uma transformação no contexto nacional", disse Sotero. "Acho que aí há uma convergência muito interessante."