Desconsiderando apelos de vários países, entre eles o Brasil, a União Européia aprovou pacto para endurecer a política de imigração e criar o "cartão azul", equivalente ao Green Card norte-americano, que será dado a um número limitado de estrangeiros "altamente qualificados" que os europeus julguem necessários para sua economia. O Itamaraty, preocupado com a tendência, quer a criação de um mecanismo para debater o assunto e pede que o tema entre na agenda da cúpula Brasil/UE, em dezembro próximo.
O pacote europeu é o primeiro a unificar a política migratória da UE e visa atrair apenas trabalhadores qualificados, expulsar os ilegais e fortalecer as fronteiras a partir de 2011. Hoje, cerca de 600 mil estrangeiros entram por ano de forma ilegal no bloco. No total, os imigrantes sem visto já somam 12 milhões de pessoas e respondem por 8% do PIB europeu
O projeto era ainda uma das prioridades da presidência francesa da UE, que termina em dezembro. A imigração, hoje, é um dos poucos temas que consegue gerar um consenso entre os governos europeus e as propostas aprovadas nesta quinta-feira (25) devem marcar o mandato do presidente Nicolas Sarkozy. Com o risco de uma recessão no continente, políticos já temem que a competição por postos de trabalho entre nativos e imigrantes gere tensões e até conflitos.
Já economistas alertam que o envelhecimento da população européia exigirá que o bloco "importe" mão-de-obra a partir de 2010. O problema é que os europeus querem agora garantir que apenas vão entrar aqueles estrangeiros que forem julgados necessários. No bloco, já há um déficit de 50 mil engenheiros, por exemplo.
Com o pacote, a UE tenta modificar o perfil da imigração Nos últimos anos, os imigrantes eram em grande parte parentes de pessoas que já tinham conseguido entrar na Europa. Agora, a UE deixa claro que será a demanda por trabalhadores que ditará a entrada dos novos imigrantes. "Não queremos nem ter um forte, que seria injusto, mas também não queremos abertura total, que cria abusos", afirmou o ministro de Imigração da França, Brice Hortefeux.
O Brasil já informou à UE que quer debater o assunto. O governo negocia a criação de uma parceria estratégica com a Europa, que poderá ser assinado por Lula e Sarkozy no Rio de Janeiro, em 22 de dezembro. Mas o Itamaraty alega que não se pode ter um acordo de parceria estratégia e, ao mesmo tempo, sofrer limitações para seus cidadãos. A idéia do Brasil é de que a parceria crie um fórum para tratar da questão e evitar situações "desconfortáveis" para os brasileiros na Europa.
"Blue Card"
Segundo a proposta aprovada pelos ministros de Interior dos 27 países, para que um estrangeiro peça um Blue Card (cartão azul), ele precisa ter um salário 1,5 vez superior à média salarial na Europa. Se um país europeu estiver com falta de mão-de-obra, essa regra por ser flexibilizada. Na realidade, a proposta limita a imigração a pessoas altamente capacitadas, com estudos universitários e experiência profissional comprovada
Os estrangeiros que ganhem o Blue Card vão poder estender os benefícios à sua família. O imigrante também poderá viver em qualquer país europeu, em certas condições. Hoje, um estrangeiro que tenha autorização para trabalhar na Alemanha não pode usar o mesmo visto para encontrar um emprego na Itália.
Outra medida foi a aprovação de uma lei praticamente abolindo regularizações em massa de estrangeiros, como já fez a Espanha no ano passado com bolivianos e outros latino-americanos Sarkozy alegava que a regularização de um estrangeiro em um país significava que esse imigrante também poderia trabalhar em outro mercado europeu.
Mas a tendência na Europa é justamente o endurecimento das leis contra imigrantes. Uma lei na Irlanda limita a possibilidade de europeus trazerem para o país esposas que não sejam européias. Na Itália, o governo foi obrigado a lidar com um escândalo diante da foto de uma nigeriana, semi-inconsciente, no chão de uma delegacia de polícia.
Organização
Pelo pacote, haverá uma dureza total contra os imigrantes ilegais. Esses estrangeiros terão de deixar o território da UE e as regularizações serão apenas feitas em casos extraordinários. Mas o bloco rejeita a tese de que esteja criando uma fortaleza. Na avaliação de Bruxelas, trata-se de "organizar a imigração legal de acordo com as necessidades". "A União Européia não dispõe de meios para receber dignamente todos os emigrantes que esperam encontrar uma vida melhor", justifica o pacto. Por isso, indica que a gestão da imigração na UE deve levar em conta a situação do mercado de trabalho.
Cada país da UE estabelecerá a cota de imigrantes que poderá receber, sempre em função das necessidades do mercado de trabalho.
A reportagem apurou que, no próximo mês, a UE irá convocar os embaixadores latino-americanos para apresentar as medidas. A região já enviou seu recado, alertando que querem garantias de que seus cidadãos terão seus direitos respeitados ao desembarcar no continente europeu. O argumento dos governos latino-americanos é de que os europeus estão sendo "cínicos". De um lado, querem combater a imigração ilegal, mas não garantem que explorações de trabalhadores de baixa qualificação ocorram.
Em 2012, serão implantados os vistos com informação biométrica, data em que também está previsto o funcionando de um registro eletrônico de saídas e entradas na UE. O pacto estabelece também que sejam reforçados o papel e os recursos da Frontex, a agência européia de controle de fronteiras.