Uma nação à flor da pele. É assim que a brasileira Lidia Souza descreve o atual clima nos Estados Unidos, onde mora há 20 anos, quando o assunto é a imigração. Ela foi uma das centenas de pessoas que aderiram à greve de imigrantes que se espalha, nesta quinta-feira, por várias cidades americanas. Muitos estrangeiros que vivem no país se recusam a deixar suas casas para trabalhar ou fazer compras, com o objetivo de mostrar a sua importância para uma das economia mais potentes do mundo.
O protesto, que ganhou o nome de “Um dia sem imigrantes”, é uma reação às truculentas batidas policiais para caçar ilegais e as ameaças de deportação, que não param de chegar do novo presidente republicano, Donald Trump.
Segundo Lídia, que faz serviços de limpeza e também trabalha como ativista em favor dos imigrantes brasileiros perto de Boston, os imigrantes prometem mostrar à comunidade americana apenas por um dia como seria a vida sem os imigrantes. Já na manhã desta quinta-feira, dezenas de restaurantes, bares e outros estabelecimentos comerciais em várias cidades americanas fecharam as portas.
“Quando o imigrante para de trabalhar e de consumir, isso tem impacto financeiro. Hoje, o imigrante não vai trabalhar, fazer compras ou colocar gasolina no carro. Não vai correr dinheiro dos imigrantes nos caixas”, diz Lidia, que se surpreendeu com a força que o movimento ganhou dentro e fora da sua comunidade pelas redes sociais. “Houve adesão de muitos estabelecimentos. Os EUA são feitos de imigrantes. E é uma utopia do governo dizer que vai botar todos eles para fora”.
O protesto vem após mais de 680 pessoas terem sido presas em operações de autoridades federais semana passada por viverem sem documentos nos EUA. O presidente já ordenou que os governos locais reforcem o controle migratório, além de ter assinado um decreto para impedir a entrada de todos os refugiados e cidadãos de sete países de maioria muçulmana.
Em menos de um mês de mandato, todas estas medidas refletem o tom altamente anti-migratório que o republicano adotou desde o início da sua campanha, com promessas de conduzir deportações em massa e perseguir, sobretudo, imigrantes latinos e muçulmanos.
O brasileiro Adílson também aderiu ao boicote. De uma pequena cidade de Minas Gerais, ele se mudou há 16 anos com a sua mulher para os Estados Unidos. Lá, tiveram dois filhos, que hoje tem 8 e 14 anos e, até agora, não sabiam o que era ser imigrante. Mas, com a chegada do governo Trump, as coisas mudaram. Ele lamenta as ofensivas de Washington desde que o republicano tomou posse e relata que as batidas policiais são cada vez mais truculentas contra os imigrantes. Hoje, as suas crianças não foram à escola.
“A gente há anos batalha pelo direito de ir e vir. Estamos fazendo este protesto para mostrar que os Estados Unidos sem imigrantes não rodam”, conta o videógrafo. “A polícia é muito dura neste novo governo, que dá ordens para que eles sejam truculentos com os indocumentados. Isso tem mexido com o sangue do imigrante. Hoje, tomamos a coragem de fazer esta paralisação para mostrar que queremos ser respeitados. Estamos sendo muito desrespeitados como imigrantes hoje.”
Apoio dos patrões
Os donos de restaurantes são alguns dos mais afetados pela paralisação, uma vez que o setor tem grande participação da mão-de-obra de imigrantes. Apesar do prejuízo, alguns patrões resolveram nesta quinta-feira apoiar o protesto em cidades como Filadélfia, Nova York e Houston. Chef famoso nos EUA, Jose Andres relatou que ficou surpreso com a determinação de alguns dos seus funcionários e não hesitou em apoiar a manifestação.
“Pessoas que nunca perderam um dia de trabalho me disseram que não querem trabalhar hoje”, disse o chef. “Elas querem dizer ‘Eu estou aqui’ ao não aparecerem para trabalhar. O mínimo que eu poderia dizer é: ‘Tudo bem, eu apoio vocês’. Há milhões de latinos e imigrantes em geral que se sentem sob ameaça. Sentem como se estivessem sendo excluídos. Eles querem ser parte do sonho americano”, aponta.
Em Nova York, os donos do popular restaurante Blue Ribbon disseram que fechariam várias das suas unidades, apesar do impacto financeiro negativo. “É uma real verdadeira demonstração de apoio aos nossos funcionários como uma equipe e uma família”, disse um dos donos dos restaurantes, Eric Bromberg.
Esta é a ação mais recente de uma série de protestos já registrados nas primeiras semanas do governo Trump. No dia seguinte à sua posse, a Marcha das Mulheres tomou várias cidades do país logo no primeiro dia da nova Presidência. Posteriormente, diversos aeroportos registraram dias de protestos e caos depois que o republicano assinou seu veto migratório.
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