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Casas noturnas revivem jazz etíope

Mulatu Astatke, à esq., considerado o pai do ethio-jazz, às vezes se apresenta em seu clube African Jazz Village | Nichole Sobecki para The New York Times
Mulatu Astatke, à esq., considerado o pai do ethio-jazz, às vezes se apresenta em seu clube African Jazz Village (Foto: Nichole Sobecki para The New York Times)

Em uma noite de domingo, pessoas elegantes na faixa dos 20 anos lotavam o Mama’s Kitchen, salão de vidro e madeira no quarto andar de um shopping center praticamente fechado, perto do Aeroporto Internacional Bole, em Adis Abeba, capital da Etiópia.

Elas estavam lá para ouvir um jovem pianista aventureiro, Samuel Yirga, que mesclava free jazz, R&B e o popular estilo local chamado ethio-jazz, gênero enfeitiçante que mistura jazz com música etíope tradicional.

"Eu acho que nós, etíopes, gostamos mais de nossas próprias coisas do que das de outros", disse Yirga. "Respeitamos as outras culturas, mas amamos principalmente nossa música, nossa comida, nossa dança e nossas roupas."

Mama’s Kitchen é um dos vários lugares que apresentam os diferentes estilos de jazz que surgiram na capital etíope nos últimos anos.

A cena da música ressurgente está longe da única mudança que ocorre nesta cidade frenética, de quase 4 milhões de habitantes. Escavadeiras criaram cânions entre as palmeiras plantadas em avenidas agitadas, abrindo caminho para um sistema de trens leves que deverá ser inaugurado em 2015. Há novos arranha-céus, centros comerciais envidraçados e um complexo semelhante a uma espaçonave que abriga a sede da União Africana.

Os shows de jazz ocorrem em toda a cidade, em quase todas as noites da semana. Mas, apesar de o ethio-jazz datar dos anos 1960, seu ressurgimento é um fato bastante novo.

Por quase duas décadas, até 1991, o país foi governado por uma junta militar comunista, a Derg, e seu líder, Mengistu Haile Mariam.

Havia um toque de recolher, por isso os clubes noturnos, espaços de shows e casas de música tradicional chamadas "azmari bets" basicamente deixaram de existir.

A natureza livre desse jazz o tornou especialmente suspeito para os governantes. Muitos músicos e centenas de milhares de etíopes considerados dissidentes do regime foram mortos, presos ou exilados.

"Imagine uma cidade onde você vive sem uma única noite de vida noturna durante 18 anos", disse Francis Falceto, o produtor de "Étiopiques", série de 29 discos de gravações musicais dos anos 1960 e 1970 que ajudou a acender o interesse global pelo jazz etíope. "Isso destruiu quase de um dia para outro a vida musical e radicalmente deteve o desenvolvimento da música moderna etíope."

O coronel Mengistu foi derrubado em 1991, mas a cena musical em Adis começou um lento retorno somente no final dos anos 1990.

"O toque de recolher durou tanto tempo que realmente já fazia parte do estilo de vida. Levou algum tempo para que as pessoas começassem a sair mais, para que os clubes noturnos florescessem", disse Girum Mezmur, que toca no grupo de jazz Addis Acoustic Project. "Depois da Derg ficou muito mais livre. Foi um renascimento não apenas da música, mas de outras formas de arte também."

Os instrumentos de jazz chegaram à Etiópia no século 20. Em 1924, Hailé Selassié (então conhecido como Ras Tafari) visitou Jerusalém, onde foi recebido por uma banda de metais composta totalmente de órfãos adolescentes, sobreviventes do genocídio na Armênia.

"O príncipe Ras Tafari adotou 40 órfãos armênios de Jerusalém para ser a primeira banda imperial", disse Aramazt Kalayjian, cineasta documentarista. Essa banda palaciana ajudou a popularizar trombones, saxofones e trompetes na Etiópia.

A partir de meados dos anos 1960, músicos como Mulatu Astatke tinham começado a misturar o jazz no estilo ocidental com a música folclórica etíope e melodias religiosas, criando uma variedade única de jazz. Astatke é considerado o pai do ethio-jazz e é o músico vivo mais famoso da Etiópia.

Hoje com 70 anos, ele tem uma agenda de shows cheia, mas ainda encontrou tempo para abrir um bar de música e escola chamada African Jazz Village no final de 2013. Em uma noite recente de sábado, um saxofonista lançou-se em um tema sinuoso e então Astatke subiu no palco e começou a tocar congas. A multidão, deliciada com essa aparição rara ao vivo do ícone do jazz, lotou a pista de dança.

Antes do show, Astatke falou sobre o futuro do gênero que inventou. "Há muitos jovens músicos tocando ethio-jazz", disse.

"Está se desenvolvendo, o que eu acho ótimo."

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