A performance de Tig Notaro em seu show de humor stand-up não poderia ter sido mais ousada. O que poderia ser mais espantoso que a comediante subir ao palco e dizer: "Obrigada, obrigada, estou com câncer. Obrigada, estou com câncer. Obrigada mesmo"?
Naquele show de 2012, Notaro encarou seu câncer de mama de frente, com franqueza total e humor sutil e doloroso. O comediante Louis C.K. disse que foi um dos maiores shows que ele viu na vida.
Isso tornou ainda mais notável a performance de Notaro no Festival de Humor de Nova York, em 6 de novembro, no Town Hall. Depois de revelar que passou por uma mastectomia dupla, bem-sucedida, sem cirurgia reconstrutiva, ela disse à plateia que pensou em fazer o show sem camisa, quase que desafiando o público a pedir que ela o fizesse.
Bastou um grito a mais dos fãs e Notaro arrancou sua camisa com um só gesto, postando-se diante de centenas de pessoas de topless, trajando apenas jeans.
Ela já tinha feito a mesma coisa em outubro num show no club Largo, de Los Angeles. Desta vez, sua expressão se conservou irônica.
"Tenho muita consciência de que as pessoas estão pensando quando é que ela vai...?", disse Notaro, aludindo a vestir a camisa outra vez. "Eu não vou."
Como não demorou a ficar claro, o objetivo não foi unicamente chocar os presentes. Na realidade, foi nos convencer de que não havia nada com que ficarmos chocados.
Durante a meia hora seguinte, Notaro contou piadas tão divertidas e envolventes que qualquer ansiedade ou tensão presente na sala se desfez.
Ela mostrou suas cicatrizes à plateia e então, com a força de sua atuação, nos fez esquecer que existiam. Foi uma declaração forte, até inspiradora, sobre sobrevivência e recuperação.
Mas a impressão era que também tinha sido um desafio que ela tinha aceito por simples diversão.
Antes de falar sobre o câncer, o humor que Tig Notaro fazia sobre o palco era desapaixonado e formalmente experimental, de uma maneira que chamava a atenção para seu caráter ardiloso.
Mas este show, parte de sua turnê "Boyish Girl Interrupted", representou um retorno à sua forma antiga, se bem que um pouco mais mordaz que de costume. Foi como se a humorista quisesse provar que o câncer e o sucesso não abrandariam ou comprometeriam seu humor.
Ela alternou entre momentos de tolice delirante (como levar a plateia a cantar "Yellow Submarine" enquanto imaginava a cena em que Ringo Starr teria explicado à sua mulher que tinha composto a canção) e de uma agressividade bem-humorada que em alguns momentos beirava uma atitude ligeiramente hostil em relação à plateia.
A diferença neste show foi que o modo em que ela manipulou a plateia foi mais declarado que nunca, e a manipulação era, na realidade, o tema dominante. Tirar a camisa não é um gesto sutil para chamar a atenção, mas orquestrar uma ovação em pé por meio de um gesto passivo-agressivo engraçado também não é.
O novo show de Tig Notaro não fala apenas de superar uma doença. É uma expressão inteligente do poder persuasivo e forte da arte.
Notaro mostra que o humor não apenas consegue transformar tragédia em comédia, como também é capaz de desviar a atenção das pessoas da imagem mais vendida e objetificada da cultura popular: o corpo feminino nu.