Mohamed Soltan, norte-americano preso no Egito| Foto: Zach Gibson/The New York Times

Mohamed Soltan sabia que tinha algo a seu favor quando a polícia egípcia bateu à sua porta, há dois anos: a cidadania norte-americana.

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A polícia estava ali à procura de seu pai, Salah Soltan, membro ativo da Irmandade Muçulmana — mas quando encontrou apenas Mohamed Soltan e três amigos, resolveu prendê-los, assim como a milhares de outros que foram considerados islamitas ou dissidentes liberais, detidos depois que os militares tomaram o poder, há dois anos.

E foi a cidadania norte-americana que deu coragem ao rapaz, na época com 25 anos, a fazer uma greve de fome durante 16 dos 21 meses que passou na prisão, perdendo mais de 70 dos 120 kg que pesava e se arriscando a uma falência múltipla de órgãos por acreditar que o governo dos EUA sairia em seu socorro.

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E foi ela que lhe rendeu tormentos especiais dos policiais, que queriam subjugá-lo — como a ocasião em que o deixaram trancado a noite inteira com um moribundo berrando de dor e a maior parte do dia seguinte com o cadáver.

Mas foi ela também que garantiu sua deportação para os EUA, em trinta de maio, graças à pressão exercida pela Casa Branca, como contam o próprio Soltan e os diplomatas envolvidos no caso.

Agora ele tenta usar a repercussão de seu martírio em um novo papel: o de defensor de milhares de islamitas, esquerdistas e liberais esquecidos nas prisões egípcias.

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Em reuniões de que participou recentemente na Casa Branca e no Departamento de Estado, Soltan citou sua experiência única como garoto criado no Meio-Oeste norte-americano e prisioneiro político no Cairo para alegar que as detenções em massa no Egito estão prejudicando os interesses de Washington, pois está radicalizando e transformando jovens não-violentos em militantes anti-EUA.

“Eu tive sorte de ter vivido a liberdade e a democracia aqui, então pude traduzir minha raiva numa greve de fome, mas é muito provável que milhares de outros presos prefiram a outra opção”, disse ele na ocasião.

“A única coisa que todo mundo tem em comum na cadeia — os caras do EI, da Irmandade Muçulmana, os liberais, os guardas, oficiais — é o ódio dos EUA. E num país jovem como o Egito, nossos interesses estão ameaçados. Ter um sentimento antagônico tão forte crescendo dentro de todas as ideologias de lá não pode ser bom para ninguém”, concluiu.

Soltan é um representante incomum das vítimas da repressão egípcia, a maioria das quais, como seu pai, é de islamitas. Às vezes, dá a impressão de que ele preferia falar de futebol que de política.

E garante que nunca apoiou o presidente deposto, Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana (“Sou liberal demais para os islamitas e religioso demais para os liberais”, afirma.), mas participou do principal protesto contra sua saída por princípios democráticos, atuando como intérprete para os jornalistas ocidentais que cobriam o evento. E estava lá, em 14 de agosto de 2013, quando as forças de segurança mataram quase mil manifestantes em uma verdadeira chacina. Uma bala, aliás, se alojou em seu braço e os médicos tiveram que inserir pinos de metal para dar suporte ao osso.

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A polícia o prendeu poucos dias depois. Seu pai foi detido no mês seguinte.

No presídio de Tora, no Cairo, foi jogado em uma cela que mais parecia uma masmorra com outros 25 prisioneiros políticos — uma mistura de membros da Irmandade, militantes e ativistas esquerdistas ou seculares. E conta que foi ali que começou a pensar em uma greve de fome como alternativa aos convites dos jihadistas para que se unisse a eles.

“Os guardas roubam toda a sua liberdade. Limpam o chão com o seu orgulho. E fazem questão de lhe tirar toda a resistência, mas a greve de fome reverte esse processo”, afirma.

Vários detentos egípcios tentaram imitá-lo no mesmo ano, mas Soltan tornou a sua pública com cartas abertas que descreviam sua vida em Ohio e foram publicadas no New York Times e outros veículos.

Os três amigos que estavam com ele foram condenados à prisão perpétua. Seu pai, condenado à morte.

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“Greve de fome não é a coisa mais lógica a fazer, mas na cadeia – e no Egito, em geral — tudo é uma questão de poder. Os caras têm impunidade para fazer o que bem entenderem, então nem tudo precisa fazer sentido e ter lógica”, confessa.

Contribuiu Merna Thomas