Abdul Latif, morador da província de Kunduz, no norte do país, jurou acertar contas com o militante do Taleban que matou o seu pai. Por isso, ele aderiu voluntariamente a uma unidade do grupo insurgente e passou dois meses tentando conquistar sua confiança. Dias atrás, ele e um amigo mataram 13 militantes a tiros, a maioria durante o sono, segundo a confissão do próprio Latif e o relato da polícia.
Ele foi saudado como um herói por policiais, que confirmaram que Latif estava sob sua proteção depois de ter se infiltrado entre os insurgentes. Na província meridional de Helmand, dois infiltrados talebans entraram para a polícia e foram destinados a uma guarnição com dez homens. Eles jogaram soníferos na comida dos oito colegas e os mataram também durante o sono, segundo autoridades locais. Em seu site, o Taleban se vangloriou desse ataque.
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Leia a matéria completaNum país que sempre se orgulhou do Pashtunwali, rigoroso código de conduta que confere privilégios de hóspede até mesmo aos inimigos, muitos afegãos começam a enxergar a recente onda de ataques por infiltrados como mais um sinal de declínio moral causado por quase quatro décadas de guerra.
O ataque em Helmand aparentemente foi o quinto caso de assassinato de policiais por infiltrados em um mês. A maioria deles consistiu em sedar as vítimas antes de matá-las, e em dois casos os crimes foram cometidos por hóspedes acolhidos pelos policiais.
Muitos afegãos acham difícil conciliar esses ataques, especialmente na província central de Helmand, coração da etnia pashtun, com o Pashtunwali, que valoriza a hospitalidade, a justiça, a bravura em combate, a lealdade e o respeito por si próprio e pelos outros.
“Décadas de guerra não só nos custaram milhares de vidas como também danificaram espiritualmente nosso povo e deixaram uma lamentável cultura hostil”, disse Zubair Shafeeq, diretor do jornal “Wesa”, de Cabul. “Os afegãos, famosos por respeitarem os valores fundamentais do Pashtunwali, esqueceram o que é a nossa ética cultural e tradicional.”
Em Kunduz, Latif disse que passou dois meses numa unidade taleban no distrito de Imam Sahib, uma área pashtun que é tradicional reduto insurgente, mas também fortemente disputada.
Seu pai foi um dos aldeões que aderiram a uma revolta para expulsar o Taleban da região e foi morto por causa disso, o que levou seu filho, de 20 anos, a planejar uma vingança.
Quando viajava com os insurgentes, Latif mantinha contato via celular com a polícia e com funcionários de inteligência afegãos, contou ele numa recente entrevista por telefone.
Sua oportunidade surgiu depois que a unidade taleban, com 16 integrantes, voltou de uma tocaia de dois dias e duas noites, com a intenção de emboscar um comboio do governo. Latif disse que alertou a polícia para evitar a armadilha, e os membros da esquadra insurgente retornaram ao seu esconderijo exaustos e adormeceram profundamente.
“Eu estava à procura de um bom lugar para isso e finalmente tive a chance, então chamei a polícia e disse: ‘Olha, vai ser hoje, e eles me deram sinal verde, aí eu fiz”, disse Latif. Ele tinha um cúmplice: Ghullam Hazrat, 19, que aderiu ao Taleban assim que terminou a formação religiosa numa madraça e, como contou Hazrat, estava estarrecido com o comportamento imoral dos insurgentes, incluindo a prática do “bacha bazi”, pela qual meninos são forçados a se vestirem como mulher, a dançar e a fazer sexo com homens mais velhos.
O ataque infiltrado do Taleban na província de Helmand aconteceu no distrito de Garmsir. Depois de colocarem soníferos no jantar, os dois infiltrados abriram o posto policial ao Taleban no começo da madrugada, ajudando os insurgentes a matar os oito policiais durante o sono. Eles também cortaram a cabeça do comandante policial, pendurando-a num poste.
Uma semana antes, em agosto, também no distrito de Garmsir, naquele que foi aparentemente o quarto ataque de infiltrados na província de Helmand, um comandante policial desertou para o lado do Taleban e matou seu cozinheiro, que havia se recusado a fazer o mesmo, segundo Mohammad Asif, membro do conselho distrital.
“Poderíamos dizer que as ovelhas estão sendo comidas pelo seu próprio cão de guarda”, disse Hajji Abdul Ghani, chefe da comissão de segurança do distrito de Garmsir. Ele atribuiu os ataques internos ao baixo moral dos agentes policiais, que sofrem de escassez de armas e suprimentos, ao abuso de drogas em suas fileiras e ao fato de muitos comandantes estarem mais preocupados em desviar dinheiro pela corrupção do que em lutar.
“Parece que as pessoas atualmente estão fracas demais para o Pashtunwali”, disse Ghani.
O Pashtunwali como sistema ético exige abertura e equidade, segundo Hajji Mohammd Atta Ahmadi, chefe do Conselho de Paz em Kandahar. “Você precisa ser franco com amigos e inimigos”, disse ele. “De forma alguma você está autorizado a drogar e matar gente indefesa ou matar alguém enquanto dorme. Essas coisas que estão acontecendo no Afeganistão violam totalmente os princípios do Pashtunwali.”
Colaborou Najim Rahim
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