Não faltam momentos assombrosos no novo filme de Hubert Sauper, “We Come as Friends”, um ensaio ilustrado sobre o colonialismo contemporâneo. Mas o mais pungente de todos talvez seja uma visita noturna, iluminada por relâmpagos, a um líder tribal do Sudão do Sul.
Sauper apresenta uma cópia de um contrato para confirmar uma verdade terrível. Os olhos úmidos e a postura abatida do líder dizem tudo. O idoso assinou um documento entregando milhares de hectares de terra a uma empresa do Texas.
Entrevistado em Paris, Sauper comentou: “Era a história acontecendo de sua forma mais sarcástica diante de minha câmera. E então chegou a tempestade. Como cineasta, era bom demais para ser verdade.”.
Esse é um exemplo de como Sauper, o diretor de “We Come as Friends”, retrata realidades complexas por meio de reportagens vívidas. Dez anos atrás, seu documentário “O Pesadelo de Darwin”, indicado ao Oscar, analisou os estragos resultantes da globalização, examinando a indústria de pesca para exportação no lago Vitória, o impacto dela sobre a população tanzaniana local e uma subcultura de pilotos russos de aviões de carga.
Os filmes de não ficção de Sauper são um híbrido elegante de retratos coloridos e fortes e investigação ousada. “We Come as Friends” foi avaliado pela revista “Sight & Sound”, do British Film Institute, como um dos melhores trabalhos de não ficção de 2014.
Voando em um avião “de lata” que ele próprio construiu, o cineasta percorreu o Sudão de alto a baixo durante dois anos e meio. “O ponto de partida do filme foi a tentativa de analisar a psicologia ou patologia do colonialismo”, disse Sauper. “Eu não sabia o quanto disso encontraria em nossos tempos, na vida real.”
Ele visitou pessoas de todos os tipos, todas fazendo parte de uma história que está se desenrolando para melhor ou para pior: sudaneses que estão perdendo suas casas devido à guerra e ao desenvolvimento voraz, engenheiros chineses confiantes na vocação de superpotência de seu país, missionários texanos que lutam para vestir moradores de vilarejos no Sudão e um chefe militar sudanês que se converteu em político e não consegue lembrar o hino nacional.
O avião lhe proporcionava um meio rápido de fuga de tudo isso quando necessário, além de ser uma metáfora vívida da influência e do acesso ocidentais. Longe de ser um relato superficial de viagem, o filme de Sauper transmite uma impressão rara de seres humanos que suportam os efeitos de forças históricas maiores e interesses poderosos.
Quando lhe foi citado um livro sobre cinema que divide a história dos cineastas de não ficção entre exploradores, repórteres, pintores e ativistas, Sauper recordou o crédito dado a um colaborador passado, o escritor Nick Flynn : “Existe um termo muito bom que é ‘poeta de campo’”.