Sentado, Mohammad Rizk esperava, desanimado, pelos fregueses. O cheiro do frango assado se misturava com o fedor da pilha de lixo na porta. A montanha de detritos já ocupava a esquina onde antes paravam os clientes.
Rizk, 39 anos, é formado em Economia; entretanto, conta que, sem influência em nenhum dos partidos políticos libaneses, não conseguiu emprego no ramo e se viu tendo que preparar shawarmas em uma lanchonete minúscula. Esse foi o papel que assumiu até meados deste ano, quando um impasse político parou a coleta de lixo – serviço público relativamente confiável em um país que não conta com muitos –, e levou o povo para as ruas.
“Chega. Já deu. Não tem eletricidade? Tudo bem. Não tem água? Vá lá, mas o lixo?”, reclama ele, declarando que vai para as manifestações só se tiver condições de deixar o estabelecimento.
As pilhas de sacos plásticos que se acumulam são a gota d’água, manifestação física que representa um sistema político falho responsável por um governo incapaz de cumprir as funções mais básicas – essa é a principal reclamação dos manifestantes que batizaram seu movimento de “You Stink” (“Você Fede”).
Depois de uma guerra civil sangrenta que durou quinze anos e acabou em 1990, o poder e os recursos do Líbano foram basicamente divididos entre os ex-combatentes em um sistema de apadrinhamento político sectário. A eterna inércia do governo, considerado o quarto menos eficiente do mundo pelo Fórum Econômico Mundial, emperra tudo, desde o grandioso ao mais trivial.
A situação já seria ruim em tempos normais, mas o momento é, no mínimo, singular, pois o conflito caótico e assassino na vizinha Síria forçou o Líbano, nação com quatro milhões de habitantes, a abrigar mais de 1,3 milhão de refugiados.
“Disseram que esse sistema existia para impedir a continuação da guerra civil e é por isso que o povo tolerou até agora. Mas essa rapaziada já cansou, não aguenta mais. E tem toda a razão”, afirma o general da reserva Maroun Khoreish, que fazia parte de grupo de jovens ativistas à mesa na calçada de uma tabacaria.
A crise do lixo é só mais um sinal da disfunção política: há mais de um ano o país está sem presidente – e a piada é que ninguém notou ainda porque o governo normalmente já faz muito pouco.
Um exemplo é a incapacidade nacional de gerar energia suficiente para suprir a demanda, forçando as pessoas a optar entre alugar geradores particulares ou ficar sem luz durante horas todos os dias.
E em uma nação cujos recursos hídricos fazem inveja a muitos vizinhos, as torneiras jorram água apenas em certas horas de certos dias. E dá até para saber quando isso acontece porque é quando ela também vaza dos canos quebrados na rua.
Os professores vivem em greve; do contrário, explica o protestador Dalal Zawawi, eles simplesmente não recebem salário. As comunidades do sul da capital passaram a reclamar quando um aterro sanitário perto de Naimeh excedeu sua capacidade e o governo não conseguiu encontrar uma solução para o caso. Manifestantes bloquearam então o caminho para o lixão, dando início assim à crise atual.
Até os sírios que fogem da guerra se dizem chocados com a falta de infraestrutura do Líbano.
Em Basta, uma mulher forçada a caminhar no meio do lixo para ir às compras, justificou sua participação nos protestos não só porque vê os alimentos apodrecendo na geladeira por falta de energia, mas também porque a crise econômica está forçando sua família a se separar: dois de seus cinco filhos foram para o exterior em busca de trabalho e o terceiro está de malas prontas.
“Estou sufocando. Vivemos na estagnação”, lamenta ela.
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