A decisão da Turquia de participar da luta contra o Estado Islâmico (EI) muda profundamente os cálculos estratégicos de todos os atores da região. O que não está claro nesse momento é se o envolvimento da segunda maior força militar da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) vai mudar a situação para melhor ou pior. As perspectivas não são boas.
Em um primeiro momento, a decisão da Turquia de atacar os combatentes do EI e permitir o uso das suas bases aéreas para bombardear posições desse grupo pode ser considerada uma boa notícia para a coalizão que, há mais de um ano, está tentando parar o avanço do grupo na Síria e no Iraque. A dominância militar da coalizão ”anti-EI” agora é ainda mais incontestável, pelo menos na teoria. Depois de recentes atentados desse grupo no território turco, também parece uma decisão lógica.
Porém, esses ataques representam uma mudança radical da posição turca que, até agora, sempre considerou a saída do presidente sírio, Bashar al-Assad, como o seu objetivo principal. Para isso, o EI parece ser a melhor aposta, pois o grupo tem tido sucesso em conquistar e segurar território das forças leais ao presidente Assad.
Por outro lado, as forças mais efetivas na luta contra o Estado Islâmico têm sido os curdos das Unidades de Proteção Popular (YPG), grupos, em alguns casos, aliados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), envolvido em um conflito que já dura décadas contra o governo turco em busca de um Estado curdo independente. Esse grupo, que estava em negociações de paz com o governo, recentemente foi acusado de matar soldados e agentes de segurança turcos e também foi alvo de bombardeiros turcos.
Em outras palavras, a Turquia está, ao mesmo tempo, lutando contra o EI e contra a força mais efetiva para enfrentar o EI, enquanto ainda defende a saída de Assad, algo que o EI talvez tenha a maior capacidade de “facilitar”.
Para entendermos essa ”guerra confusa”, temos que entender a situação política interna da Turquia: nas recentes eleições parlamentares o partido do presidente e do primeiro-ministro turco, o Partido da Justiça e Desenvolvimento, perdeu a sua maioria absoluta, principalmente porque um partido curdo conseguiu entrar no parlamento em Ancara. Sem ter conseguido formar um governo de coalizão, o partido do governo cogita convocar novas eleições e ameaça alguns políticos curdos de processos criminais por supostamente incentivar as ações da PKK, considerada um grupo terrorista.
Diante desse cenário, um conflito com os curdos é visto por muitos políticos da oposição como uma tática do governo para gerar um forte sentimento nacionalista na população, o que ajudaria o Partido da Justiça e Desenvolvimento a reconquistar a sua maioria absoluta.
Em outras palavras, o atual cenário se explica por uma série de fatores internos e externos interligados. O grande perigo é que o governo perca o controle desse cenário, o que teria como possível consequência a Turquia se envolver em uma guerra em um país vizinho, assim como em um conflito interno em casa. Os riscos são altos, e as consequências, tanto para a Turquia, quanto para a região, imprevisíveis.
Kai Enno Lehmann é professor doutor em Relações Internacionais, mestre em Políticas da União Europeia pela Universidade de Liverpool e especialista no tema Políticas Internacionais. Leciona no curso de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
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