Dentro de uma tenda ricamente decorada com tapetes de oração e tapeçarias de feltro, um jovem se prepara para um ritual que está fazendo sucesso aqui como uma solução para um problema global, mas que é fundamentado nas tradições locais.
“Pedra”, diz o jovem, “admito que sou um viciado em drogas.” No carpete em frente dele está o objeto com o qual estava falando, uma pedra de rio arredondada, verde e manchada, do tamanho de uma baguete.
Um psicólogo está sentado perto, incentivando o viciado – um advogado que pediu que apenas que seu primeiro nome, Arman, se tornasse público – a seguir em frente. A atmosfera estava sombria.
“Pedra, eu te dou minha raiva e minha agressividade. Te dou todas as minhas características negativas que aparecem quando fumo ópio”, disse Arman.
Um número surpreendente de pessoas fala com pedras aqui em Bishkek, a capital da nação da Ásia Central do Quirguistão, que fica na passagem de rotas de tráfico da heroína vinda do Afeganistão para a Rússia e para a Europa. As pedras se tornaram um elemento integral em um método de tratamento para o vício da droga chamado de litoterapia.
No Centro Médico Nazaraliev, uma clínica pioneira nessa abordagem, viciados com tiques nervosos e tatuados andam de pijamas carregando suas pedras para e das sessões de terapia.
Saúde pública
Apesar de, à primeira vista, parecer coisa de desenho animado – talvez um reminiscente do mascote de pedra que se tornou moda nos anos 1970 – tratar o vício em heroína aqui e em todos os países da ex-união soviética tornou-se uma urgência de vida ou morte por causa do aumento no número de pacientes.
Os médicos do centro descobriram que os homens pertencentes à cultura muçulmana e conservadora da Ásia Central não gostam de admitir o próprio vício em uma terapia de grupo, uma maneira comum de ajudar os pacientes a começar a se recuperar da dependência. Mas perceberam que se abrem bem para pedras.
O Centro Médico Nazaraliev, que trata pacientes, na maioria homens da Ásia Central, Rússia e países Árabes, começou a usar o método das pedras faz uma década, exatamente quando a heroína passou a vir em grandes quantidades do Afeganistão.
Com medo de que a destruição dos campos de ópio fosse alienar os fazendeiros afegãos e fazer com que se interessassem pelo talibã, as forças armadas americanas adotaram uma política de tolerar o cultivo. Assim, o negócio de plantar papoulas cresceu em todos os sentidos.
No ano passado, de acordo com o relatório anual de drogas das Nações Unidas, o cultivo de ópio alcançou maior nível em todo o mundo desde 1930, e cerca de 85 por cento desse total cresce no Afeganistão, a algumas centenas de quilômetros ao sul daqui.
Em Bishkek, a heroína se tornou tão acessível que “é como comprar gergelim”, conta Georgy Kavtaradze, ex-usuário que hoje tem um programa de extensão para viciados.
À medida que o fluxo da droga cresce, o Centro Médico Nazaraliev refina sua terapia com pedras.
“Nem todo mundo é capaz de admitir seu vício publicamente. Ao invés disso, eles admitem para um pedra. O paciente tem uma conversa íntima com a pedra”, explica o psicólogo Azamat Usupov.
A clínica afirma que a terapia é eficaz: mais de 80% de seus pacientes se mantiveram livres das drogas depois de um ano de tratamento, um bom resultado para usuários de heroína. Em entrevistas, os viciados dizem que no princípio eram céticos, mas acabaram gostando dessa maneira de lidar com seu problema.
Resultados
Yerzhan Amalbayev, de 47 anos, um autodenominado traficante de heroína que trabalha em uma estrada no Cazaquistão, conta que já passou pelo programa duas vezes. Depois da ocupação americana do Afeganistão em 2001, explica, a pureza da heroína aumentou, os preços do ópio caíram, e ele começou a usar a droga de modo mais pesado. A heroína de melhor qualidade ficou conhecida na Ásia Central como Lágrimas de Alá.
Aleksandr, cozinheiro de navio de Vladivostok,wno extremo oriente da Rússia, diz que começou a usar heroína em 2005, quando “ela estava em uma esquina qualquer “, e a dose custava o equivalente a oito dólares. A heroína se tornou mais abundante, diz, mas ele não culpa as políticas dos Estados Unidos no Afeganistão. “Eu digo: ‘Pedra, não podemos culpar ninguém. Só posso culpar a mim mesmo’.”
Após sua conversa inicial com a pedra, os viciados são encorajados a falar sobre seus problemas em três ou quatro sessões e depois fazer uma peregrinação com sua pedra ou meditar em uma tenda.
À medida que o programa se desenvolve, os médicos incluem lendas locais, que acreditam funcionar como os arquétipos junguianos, para ajudar os pacientes a formar narrativas de luta e vitória sobre o vício.
No final de um mês de tratamento, os viciados sobem uma colina gramada na periferia de Bishkek e jogam suas pedras em uma crescente pilha de rochas que se acumula ali, um folclórico local de peregrinação islâmico chamado Tashtar-Ata, ou o pai das pedras.
Cerca de cinco mil viciados jogaram suas pedras nesse local na última década, de acordo com a clínica, formando uma pilha que representa milhares de histórias de dor e luta contra o vício. No entanto, nem todas as pedras foram atiradas ali pelos pacientes. Moradores locais com problemas que nada têm a ver com narcóticos também recorrem ao local.
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