Ao desprezarem os esforços diplomáticos do Brasil e da Turquia junto aos iranianos, os Estados Unidos podem ter empurrado esses dois países a votar contra as novas sanções do Conselho de Segurança ao Irã, segundo diplomatas e analistas ocidentais.
Pedindo anonimato, diplomatas disseram que dificilmente Brasil e Turquia teriam sido convencidos a votar "sim" às novas sanções contra o Irã, mas que o "não" dado por eles poderia ter sido evitável -- a alternativa seria a abstenção.
A resolução foi aprovada na semana passada com 12 votos favoráveis além da abstenção do Líbano. Foi a primeira vez que uma resolução contra o Irã recebeu um voto contrário -- esta é a quarta resolução punindo o Irã por sua insistência em enriquecer urânio.
Os Estados Unidos e seus aliados suspeitam que o Irã esteja desenvolvendo armas nucleares, embora Teerã insista no caráter pacífico de suas atividades. Tentando afastar as preocupações ocidentais, Brasil e Turquia negociaram em maio um acordo pelo qual o Irã entregaria 1.200 quilos de urânio baixamente enriquecido para ser beneficiado no exterior e devolvido para uso em um reator de pesquisas nucleares.
Mas o Ocidente rejeitou esse acordo, alegando que a proposta era insuficiente, e que o Irã não estava se comprometendo a abandonar o enriquecimento de urânio.
Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Alemanha conseguiram então convencer China e Rússia --donas de poder de veto no Conselho de Segurança-- a aceitar novas sanções, o que irritou Brasil e Turquia, que são membros temporários e sem poder de veto.
Analistas dizem que o "não" de Brasil e Turquia às sanções sinalizou ao mundo que o Conselho estava dividido a respeito do Irã.
"É sempre difícil dizer o que teria acontecido se tivéssemos feito isto ou aquilo diferente, não sabemos", disse um diplomata. "Mas as coisas poderiam ter sido tratadas de um jeito diferente."
Erro de Hillary
O maior erro, segundo diplomatas e analistas, foi o jeito como a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, anunciou em 18 de maio que as seis grandes potências já haviam aceitado a proposta de resolução preparada por Washington.
"Este anúncio é a resposta mais convincente que podemos dar aos esforços realizados por Teerã nos últimos dias", disse Hillary a uma comissão do Senado.
Isso ocorreu menos de 24 horas depois de, em Teerã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, terem convencido o Irã a aceitar o intercâmbio de material nuclear.
Funcionários dos Estados Unidos saíram em defesa da secretária, dizendo que a proposta norte-americana já havia sido quase toda definida entre as seis potências com muita antecedência, mas que só no fim de semana de 14 e 15 de maio veio o sinal verde de Moscou e Pequim.
Segundo esses funcionários, o anúncio não teve nada a ver com a iniciativa turco-brasileira -- teria sido uma resposta à declaração do Irã de que pretendia enriquecer urânio até níveis injustificáveis para fins pacíficos.
"Achamos que essa seria a hora certa de mandar uma mensagem muito clara ao Irã de que ele está no rumo errado e tem de mudar", disse P.J. Crowley, porta-voz do Departamento de Estado.
Ele acrescentou que os Estados Unidos continuam "abertos a qualquer diplomacia na qual países como Brasil e Turquia estejam dispostos a se envolver"
O porta-voz também minimizou o significado dos votos contrários no Conselho de Segurança, alegando que a discordância com Brasil e Turquia era tática, e não estratégica.
Diplomatas do Conselho dizem que o problema foi menos o momento do anúncio do que a declaração de Hillary de que a resolução era uma resposta aos esforços de Erdogan e Lula. Para esses diplomatas, os dois governantes --aliados dos EUA, afinal de contas-- viram isso como um insulto.
"Esse anúncio criou certo rancor na Turquia e no Brasil e os deixou com pouca escolha senão a de votar contra as sanções", disse um importante diplomata ocidental.
"Sempre argumentamos que a iniciativa turco-brasileira era uma coisa boa, que queríamos apoiá-la, mas que ela era separada da pressão por sanções," declarou o diplomata, acrescentando que "denegrir os esforços não era útil nem necessário."
Um analista, que também pediu anonimato, concordou que não havia necessidade de constranger Brasil e Turquia, que sempre mantiveram a Casa Branca informada das suas negociações com o Irã.
"Primeira pedra"
Mas David Albright, do Instituto para a Ciência e a Segurança Internacionais, disse que Hillary não foi menos diplomática do que Ancara e Brasília, que "atiraram a primeira pedra ao tentar arruinar o esforço das sanções."
"(Hillary) Clinton só jogou uma pedra."
Os votos dados por Brasil e Turquia foram alvos de algumas críticas. Parlamentares dos Estados Unidos alertaram Ancara de que suas relações com os norte-americanos podem ser prejudicadas devido à sua aproximação com Teerã e de suas atitudes de confronto com Israel.
Para vários diplomatas, é compreensível que a Turquia quisesse aliviar as tensões envolvendo o seu vizinho Irã. No caso de Lula, o objetivo seria aumentar o prestígio diplomático do Brasil e dele próprio.
Vários diplomatas das seis potências negociadoras disseram que poderiam ter "segurado" a resolução por alguns dias após o acordo Brasil-Turquia-Irã, mas que os Estados Unidos foram contra. Os outros cinco --inclusive China e Rússia-- poderiam ter exigido o adiamento, mas não o fizeram.
Diplomatas dizem que o Brasil, então, se decidiu pelo não. A Turquia teria chegado a essa posição na manhã de 9 de junho, quando o Conselho já estava prestes a votar. Nesse dia, as grandes potências entregaram à agência nuclear da ONU uma resposta que basicamente negava o acordo com o Irã.
"Com a oferta do combustível sobre a mesa e essa resposta (...), não tínhamos nada mais a fazer", disse um funcionário turco. "Seria inconsistente com a nossa posição anterior."
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