Na chegada, os holofotes das câmeras de TV e os votos de boas-vindas da população solidária. Mais tarde, porém, os milhares de fugitivos que têm chegado à Alemanha nos últimos dias conhecem a frustração diante das dificuldades quase intransponíveis, a frieza da burocracia, a falta de interpretes e de ajuda. Por outro lado, a política generosa de receber muitos fugitivos da chanceler federal Angela Merkel e do seu vice, Sigmar Gabriel — que nesta quarta-feira falou em até 500 mil por ano — desencadeou uma briga entre os partidos do governo. A União Social Cristã (CSU) — partido-irmão da União Democrata Cristã (CDU) de Merkel que só existe na Baviera e faz parte da coalizão — atacou a medida, pois julga que o ingresso no país de um grande número de muçulmanos implicará em problemas futuros de integração.
“Nenhuma sociedade suportaria isso a longo prazo”, desancou Horst Seehofer, governador da Baviera, ao criticar Merkel por ter decidido receber sozinha os refugiados recusados pelos outros países da União Europeia (UE).
Em Berlim, centenas de refugiados da Síria e do Iraque dormiram nas últimas duas noites na calçada da Secretaria de Saúde e Assistência Social, sem tendas nem cobertores, apesar do frio de 7 graus de madrugada. Mas mesmo quem já conseguiu um teto sofre com a falta de perspectivas. É o caso de Sufyan e Rabia al-Qummi, que chegaram a Berlim há duas semanas. Depois dos horrores que enfrentaram na Síria, da viagem dramática através do deserto, de barco no Mediterrâneo e caminhão através da Hungria e da Áustria, Sufyan, de 36 anos, e Rabia, de 31, receberam o direito provisório de moradia num pequeno hotel na Rua Chaussée, no centro. Mas o tempo atual é preenchido com o vazio de viver num hotel, como se estivessem de férias, mas sem dinheiro para conhecer a cidade e sem chance de trabalhar.
“Às vezes fico em dúvida se essa é a Europa com a qual sonhei”, desabafa Sufyan.
O designer de moda afirma que a Europa e os EUA têm sua parcela de culpa pela situação atual, alegando que a Síria foi deixada sozinha com os seus problemas dramáticos. Mas pondera:
“Só quem conhece a incerteza da vida na guerra civil, a fuga dramática num barco-sucata no Mediterrâneo e os dias ao relento na Hungria consegue avaliar que a vida aqui, embora não seja o paraíso que esperávamos, é até razoável”.
A lei alemã dá o básico para a existência, como um teto para refugiados já registrados e alimentação, mas nega o direito de trabalho porque parte do pressuposto que os refugiados voltarão aos seus países quando a situação lá melhorar. Enquanto isso, os fugitivos aguardam o reconhecimento do pedido de asilo — o que dura mais de um ano - condenados a uma vida na ociosidade.
“Nós não queremos ser alimentados pelo Estado alemão, só o direito de lutar pela própria existência. Assim mesmo, sou grato à Alemanha pela chance de asilo aqui”, disse Sufyan.
Excesso de expectativas
Segundo Gehad Mazaraeh, psiquiatra palestino que há mais de duas décadas trata em Freiburg fugitivos traumatizados, vítimas da tortura e até ex-torturadores, o pior para essas pessoas — após a chegada à Alemanha — é justamente a incerteza quanto à possibilidade de uma vida normal.
“Quase todos passaram por momentos extremamente difíceis, correndo risco de vida durante semana ou meses. Só depois de chegar e entrar no vazio da falta de perspectiva, de ficar o dia inteiro sem fazer nada, os sintomas do trauma começam a se manifestar”, disse ele, que veio para a Alemanha também como fugitivo.
Mas Günter Burkhadt, diretor da ONG Pro-Asyl, aponta que os problemas surgidos após os primeiros momentos de vida em segurança decorrem não só de aspectos reais - dificuldades causadas por falta de intérpretes ou excesso de burocracia - mas também do excesso de expectativas. Muitos sírios e afegãos preferem a Alemanha porque têm parentes aqui e veem no país campeão de futebol e pátria das grandes marcas automobilísticas mais chances de progredir.
“Mas só os altamente qualificados conseguem, depois de anos, o direito de trabalhar”, ressalva o representante da Pro-Asyl. “A maioria fica anos na ociosidade obrigatória.”
Só nos últimos dez dias, Berlim recebeu 30 mil refugiados, mais do que sua capacidade de abrigar. Embora altamente endividada, com EUR 60 bilhões no vermelho, a capital alemã alugou hotéis inteiros para abrigar os refugiados. Outras áreas também sofrem o mesmo problema, e reclamam que o governo federal só alocou 6 bilhões de euros para atender os refugiados - estimativas calculam em ao menos 10 bilhões de euros o montante necessário.
“Berlim simplesmente não entende o quão necessitadas estas regiões estão”, disparou Hannelore Kraft, governadora social-democrata do estado da Renânia do Norte-Vestfália.
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