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Somália

Twitter a serviço do terror

Atendimento às vítimas de um ataque terrorista suicida em Mogadício, em outubro deste ano, assumido pelo grupo al-Shabaab | Omar Faruk/Reuters
Atendimento às vítimas de um ataque terrorista suicida em Mogadício, em outubro deste ano, assumido pelo grupo al-Shabaab (Foto: Omar Faruk/Reuters)

Os poderosos insurgentes islâmicos da Somália, do movimento al-Shabaab, mais conhecidos por decepar mãos e fazer seu próprio povo passar fome, recentemente abriram uma conta no Twitter e se mantiveram muito ativos em dezembro, vangloriando- se de ataques e provocando seus inimigos.

"Seus meninos inexperientes fogem dos confrontos e se encolhem diante da morte", escreveu o al-Shabaab, em uma postagem direcionada ao exército queniano.

É uma atitude estranha e completamente hipócrita de militantes violentos de um dos países mais pobres de todo o mundo, onde a maior parte da população não tem dinheiro para comer, muito menos para comprar laptops. O al-Shabaab tem rejeitado veementemente práticas ocidentais – banindo músicas, filmes, cortes de cabelo e sutiãs ocidentais, e até mesmo bloqueando a ajuda humanitária do Ocidente para as vítimas da fome, tudo em nome de seu tipo de islamismo puritano – mas agora se entrega ao Twitter, um dos símbolos da sociedade moderna em rede.

Além disso, o al-Shabaab se encontra claramente ocupado no momento, enfrentando milhares de agentes das forças de manutenção da paz da União Africana, o exército queniano, o exército etíope e, ocasionalmente, ataques de veículos aéreos não tripulados dos Estados Unidos, tudo ao mesmo tempo.

Mas especialistas em terrorismo afirmam que o terrorismo via Twitter é parte de uma tendência crescente e que várias outras franquias da al-Qaeda – há alguns anos, o al-Shabaab jurou lealdade à al-Qaeda – estão usando cada vez mais mídias sociais como o Facebook, o MySpace, o YouTube e o Twitter. A filial da al-Qaeda no Iêmen se mostrou especialmente inclinada a disseminar ensinamentos e comentários através de diversas redes de mídia social.

"As mídias sociais têm ajudado grupos terroristas a recrutar indivíduos, levantar fundos e distribuir propaganda de maneira mais eficiente do que no passado", disse Seth G. Jones, um cientista político da Rand Corp.

Para o al-Shabaab, isso costuma se traduzir em postagens sucintas, como "A Europa estava imersa nas trevas quando o Islã fez avanços nas áreas da física, da matemática, da astronomia, da arquitetura, etc., antes de passar a tocha adiante", além de provocações sarcásticas contra o exército queniano.

Bate-boca

O porta-voz militar do Quênia, Major Emmanuel Chirchir, também costuma escrever muitas postagens, o que resultou em uma verdadeira guerra no Twitter.

Depois que Chirchir postou uma mensagem no Twitter afirmando que o al-Shabaab estaria transportando armas em jumentos e que "qualquer grande concentração e movimentação de jumentos seria considerada atividade do al-Shabaab", a organização respondeu: "Você está falando em bombardear jumentos?! Sua excêntrica estratégia de guerra está deixando os grupos de defesa dos animais bastante preocupados, major."

Chirchir retaliou, em um inglês com erros de gramática e ortografia: "A vida tem coisa melhor que jogar pedra em menina inocente", em uma referência à inclinação do al-Shabaab para aplicar punições islâmicas severas, como o apedrejamento.

O al-Shabaab implicou com os erros de gramática de Chirchir e usou um vocabulário mais sofisticado.

"Pare de prevaricar e diga o que realmente pensa, major!", escreveu o al-Shabaab. "Sabemos que seus comentários irão causar escárnio, mas ao menos tente exibir (ou simular) alguma coragem."

Violência

O al-Shabaab pode ser sanguinário, e nas regiões que ele controla – que são muitas – seus insurgentes arrancam dentes de ouro, decapitam donos de lojas, serram braços e apedrejam adúlteros. No entanto, os militantes também já demonstraram suas habilidades técnicas, construindo poderosas bombas para ataques suicidas e explosivos de beira de estrada. Eles também têm um lado "geek", exibindo suas obras em bem-acabados vídeos propagandísticos, websites e salas de bate-papo.

Além disso, há o fato – que muitas autoridades americanas consideram extremamente assustador – de que ocidentais com boa escolaridade estão trabalhando para o al-Shabaab. Muitos somali-americanos já se mataram em atentados suicidas, e até mesmo ocidentais não somalis, entre eles um homem do Alabama, estão servindo como comandantes de guerra.

É claro que é impossível saber quem exatamente está administrando a conta do Twitter, HSMPress (referência ao nome completo da organização: Harakat al-Shabaab al-Mujahedeen, ou Movimento de Juventude Sagrada Guerreira). Mas autoridades da União Africana e do Ocidente afirmam que a conta é legítima, e a HSMPress recentemente utilizou o Twitter para exibir carteiras de identidade de vários agentes das forças de manutenção da paz da União Africana desaparecidos, que se acreditava terem sido mortos em combate. A União Africana confirmou a autenticidade das carteiras.

A conta do Twitter está ligada a uma conta de e-mail administrada por uma "assessoria de imprensa" do al-Shabaab, que rotineiramente oferece informações detalhadas – embora tendenciosas – a respeito do combate contínuo entre o al-Shabaab e as forças de manutenção da paz da União Africana. Às vezes, as informações do al-Shabaab são mais verídicas do que as da União Africana, como no caso da batalha intensa que ocorreu recentemente na capital da Somália, Mogadício, na qual o al-Shabaab afirmou ter matado um número enorme de agentes das forças de manutenção da paz, enquanto a União Africana afirmou inicialmente ter perdido apenas dez. Autoridades da União Africana admitiram mais tarde que o al-Shabaab estava certo.

O homem por trás dos e-mails, e possivelmente das postagens no Twitter, diz se chamar Sheik Yoonis, o que é provavelmente apenas um nome de guerra. Ele já respondeu a perguntas por escrito do New York Times, e durante algumas raras entrevistas por telefone, falou claramente e com sotaque britânico. As publicações de notícias do al-Shabaab costumam ser escritas em um inglês coloquial, e muitas vezes hábil.

Afyare Elmi, cientista político somali que leciona na Universidade do Catar, disse que o al-Shabaab conta com uma estratégia de comunicação mais coerente do que a do governo federal de transição da Somália, uma entidade fraca e fragmentada, que controla muito pouco território e costuma se contradizer em declarações públicas. Ele disse ainda que os e-mails cuidadosamente escritos e a conta de Twitter, que surgiram no dia 7 de dezembro, são parte de um esforço revigorado do al-Shabaab para limpar a sua imagem.

Os combatentes do al-Shabaab recentemente organizaram um "quiz show" para crianças. (Os prêmios eram granadas e uma AK-47.) Em outubro, líderes do al-Shabaab convidaram um emissário mascarado da al-Qaeda para entregar tâmaras e sacos de arroz a vítimas da fome. Além disso, o al-Shabaab anunciou recentemente a abertura de uma nova "Agência de Estatísticas de Guerra", uma tentativa clara de tentar passar uma imagem de profissionalismo.

Mas poucos somalis se deixam enganar. As políticas do al-Shabaab estão pondo em perigo o que mais importa – a sobrevivência. Em novembro, com uma epidemia de fome ainda assombrando partes do sul da Somália, o al-Shabaab fechou mais 16 grupos de ajuda humanitária, algo que muitos agentes afirmam ter sido uma maneira garantida de matar lentamente milhares de pessoas. Desde que a fome começou a assolar o sul da Somália este verão, o al-Shabaab tem bloqueado entregas de comida, desviado o curso de rios dos agricultores famintos para favorecer seus amigos e até mesmo mantido pessoas doentes à força em seus próprios campos de desalojados.

Dezenas de milhares de pessoas já morreram de fome, e muitos somalis hoje estão torcendo pelas forças do Quênia e da Etiópia, que invadiram recentemente a Somália para afastar o al-Shabaab das regiões fronteiriças, e que costumavam ser vistas com desconfiança pela população, por serem estrangeiras.

Nas ruas de Mogadício, uma cidade devastada que já vive há 20 anos em meio à guerra civil e à anarquia, poucas pessoas já ouviram falar no Twitter. "O Twitter é algum tipo de artilharia que o Shabaab vai usar?", perguntou Muktar Abdi, um motorista de táxi. Ele falou que havia ouvido algo assim no rádio.

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