Um médico recém-formado não consegue meios para clinicar; para não abandonar a área, sujeita-se a receber bem menos e ser um mero informante sobre novos remédios. Com um engenheiro, o mesmo: sem grandes expectativas, resigna-se em dividir cálculos de estruturas com outros dez profissionais. O principal ponto comum entre ambos: são espanhóis que precisam sobreviver num mercado de trabalho que passa pela maior crise das últimas décadas.
Longe de ser exceção, a Espanha apenas evidencia o grave momento econômico por que passa a Europa em oposição ao que ocorre atualmente no Brasil, onde o trabalhador tem tido a oportunidade de ditar as cartas.
Na Europa, em 2010, mais 434 mil pessoas se somaram à massa de desempregados, segundo estatísticas oficiais. Em terras espanholas, um em cada cinco trabalhadores está parado, a maior proporção naquele continente.
Entre os espanhóis de até 25 anos, a situação é ainda pior: quase 43% estão sem emprego. Já foram chamados de "mileuristas" (têm ótima formação e falam outros idiomas, mas estão subempregados e mal conseguem pagar o aluguel com os mil euros, em média, que recebem por mês) e hoje são a "generación ni-ni" (em português, o equivalente a "geração nem-nem" "nem estudamos e nem trabalhamos").
"Agora, já se começa a falar de uma outra generación ni-ni: nem trabalhamos e nem encontramos trabalho", afirma o professor Santiago Niño-Becerra, catedrático de Estrutura Econômica da Universidad Ramon Llull, na Espanha.
O refúgio não poderia ser outro. De acordo com o Instituto da Juventude da Comissão Europeia, 30% dos que têm entre 30 e 35 anos ainda moram com os pais; entre os de 25 a 29, 63% estão nesta situação.
"As parcelas do seguro-desemprego estão acabando. Deste modo, a família é que está servindo como rede de proteção", observa Luis Ayala, professor de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidad Rey Juan Carlos. "Esse colchão, no entanto, é muito mais débil hoje do que nas crises anteriores, já que nos últimos três anos aumentou consideravelmente a taxa de desemprego entre aqueles que sustentam as famílias."
O cerne de tanto desemprego, aponta Ayala, reside no modelo produtivo e no sistema de contratos vigente na Espanha. O primeiro se explica da seguinte forma: antes da crise, a maior parte dos jovens foi absorvida por setores como o da construção e o de serviços, justamente os grandes afetados pela turbulência econômica no continente. Quanto ao segundo, o problema é com as vagas temporárias: "Foi prática habitual das empresas abusar deste tipo de contrato. Em momentos de queda de atividade, elas ajustam os custos por meio da não renovação desses contratos, que não preveem indenizações".
Em relação ao futuro, os espanhóis reservam um "sentimento de incerteza", nas palavras do professor Ayala. "Serão necessários vários anos não só para que se recupere o emprego, mas também para fechar as fraturas sociais."
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