Pamela Ortiz Cerda se lembra muito bem da tarefa que recebeu, seis anos atrás, de seu instrutor de história méxico-americana na Faculdade San Joaquin Delta, unidade educacional comunitária em Stockton, na Califórnia. "Ele exigiu que nós votássemos", afirmou Ortiz Cerda. Os alunos foram instruídos a trazer os comprovantes de votação como prova.
"Achei que era uma piada, mas em frente à classe toda, ele disse 'E para vocês que são ilegais, vou fazer com que a imigração esteja esperando por vocês do lado de fora da sala se não trouxerem os comprovantes'", conta ela. "Para uma adolescente recém-saída da escola, é assustador."
Foi assustador porque Ortiz Cerda era ilegal e havia sido trazida do México para os Estados Unidos quando tinha nove anos por seus pais, que buscavam uma vida melhor para a família.
Em um comunicado, a Faculdade San Joaquin Delta disse que seria "quase impossível" saber o que aconteceu nessa aula de Hhistória tantos anos atrás, mas afirmou que em anos recentes a escola tomou medidas para apoiar os alunos ilegais.
Apoio
Ortiz Cerda, hoje com 24 anos, é coordenadora de serviços do programa do Dream Center da Faculdade Skyline, de San Bruno, na Califórnia.
Esse é um dos cerca de 40 centros na Califórnia que ajudam alunos sem status legal, conduzindo-os pelas complexidades das admissões e das aulas e conectando-os com a ajuda financeira. "É realmente um esforço focado em apoiar os alunos sem documentação, de maneira holística, por sua jornada na educação superior", conta ela.
Os centros são parte de um esforço do sistema de educação superior do país para ajudar alunos ilegais a assistir às aulas e conseguir diplomas. E, apesar de vários desses programas funcionarem há anos, existem preocupações hoje sobre pressões à medida que o governo Trump assume uma política de "tolerância zero" sobre a imigração ilegal.
Isso levou as faculdades a desenvolver políticas, com a Califórnia em primeiro plano, que impedem a possível interferência do governo federal.
As preocupações são especialmente fortes em faculdades comunitárias, que têm políticas de admissão mais abertas do que as instituições seletivas de quatro anos. Segundo um relatório do Sistema de Faculdades Comunitárias da Califórnia, até 70 mil alunos frequentam as 114 faculdades comunitárias do Estado, mais de 3% dos 2,1 milhões de estudantes matriculados.
"Temos, como nossa missão principal, a aceitação de todos os alunos, e é nosso desejo ajudar as populações mais vulneráveis e marginalizadas", diz Judy C. Miner, chanceler da Faculdade Comunitária do Distrito de Foothill-De Anza, que serve o Vale do Silício.
Lugares protegidos
A política oficial da Imigração e Alfândega dos EUA é evitar os campi universitários, a menos que haja uma ameaça extraordinária à segurança. "As ações de fiscalização não devem ocorrer" nas escolas, afirma a política de "locais sensíveis" da agência, "para garantir que as pessoas que desejam participar de atividades ou utilizar serviços prestados em qualquer local sensível estejam livres para fazê-lo, sem medo ou hesitação". A mesma política se aplica a igrejas e hospitais.
Mas depois da eleição de Donald Trump para presidente e uma campanha repleta de retóricas contra imigrantes ilegais, as faculdades ficaram preocupadas com o futuro da política de locais sensíveis. Em novembro de 2016, o Departamento de Segurança Interna emitiu uma declaração para as faculdades afirmando que a política "continuaria em vigor".
Nos últimos meses, porém, à medida que vimos cenas de crianças imigrantes sendo separadas de seus pais e colocadas em centros de detenção, as dúvidas se renovaram sobre como o governo atual vai tratar os universitários ilegais.
"Não sentimos um nível de confiança e segurança para o bem dos nossos alunos, dado o fato de que ouvimos tantas histórias que indicam que nossas leis não estão sendo seguidas", afirma Miner.
Em uma declaração recente, uma porta-voz do Departamento de Segurança Interna disse: "Sim, a política ainda está em vigor".
Mas Miner, como ex-presidente do Conselho Americano de Educação, que representa cerca de 1.800 instituições de ensino superior nos Estados Unidos, afirma que ela e seus colegas tomaram precauções. Em suas faculdades e em outras, por exemplo, qualquer mandado expedido por funcionários da imigração deve ir diretamente para a análise do presidente da instituição e pode estar sujeito a uma briga legal.
Mudança radical
Tudo isso representa uma mudança radical na situação de apenas alguns anos atrás, quando vários estudantes sem documentação receberam imunidade temporária de deportação, depois que o governo Obama criou o programa Ação Diferida para Chegadas na Infância, ou DACA (sigla em inglês para Deferred Action for Childhood Arrivals), em junho de 2012. Estima-se que 800 mil imigrantes de uma certa faixa etária, trazidos aos Estados Unidos quando eram crianças, foram autorizados a permanecer como residentes, frequentar escolas e obter permissões de trabalho.
O governo Trump encerrou efetivamente o programa este ano, e os participantes foram deixados no limbo enquanto o Congresso pensa em uma alternativa, se houver, e as contestações chegam às cortes.
Mesmo antes do DACA, a Califórnia tinha seu próprio programa, o Ação DREAM (Desenvolvimento, Assistência e Educação para Menores Imigrantes), criado em 2011, que permitia que aqueles que foram trazidos ao estado sem documentos quando eram crianças pudessem frequentar a faculdade e receber apoio financeiro e benefícios de mensalidade estaduais. Em algumas faculdades comunitárias, isso significa pagar US$46 por crédito, em vez de mais de US$200.
Agora, os legisladores estaduais estão considerando uma nova lei, a AB-2477, que pode criar ainda mais centros de apoio para universitários sem documentos.
Dificuldades
No clima político atual, porém, alunos ilegais em outros estados vêm enfrentando resistência. Em abril, a Suprema Corte do Arizona eliminou os benefícios estaduais de mensalidade para eles e programas parecidos encontram obstáculos similares em vários estados, segundo uma análise recente.
"Há tanta oposição que, honestamente, parece não haver esperança", disse um estudante de Matemática da Faculdade Skyline, que não quis dar seu nome. "As pessoas falam sobre a reação branca depois da era Obama, o primeiro presidente negro, e isso agora está prestes a acontecer".
A mãe desse estudante o trouxe do México para os Estados Unidos quando ele estava com 13 anos e ela fugia de um marido violento. Ele trabalhou em lojas de automóveis, armazéns e fábricas para ajudar a mãe e seis irmãos. Agora, aos 41 anos, conseguiu um diploma de licenciatura e tem ambição de se tornar bacharel.
Ele contou que muitas vezes enfrentou hostilidades como ilegal, mas não na faculdade. "Não sinto medo quando estou na escola. Não acho que meu estudo está ameaçado. Pelo menos não por enquanto", afirmou.
Para Miner, a chanceler da faculdade comunitária, as apostas também são pessoais. Sua mãe foi imigrante ilegal, trazida do México para os Estados Unidos com três ou quatro anos – em outra era, ela também seria considerada uma "dreamer".
"Seu medo da discriminação fez com que ela nunca falasse espanhol conosco, mesmo sendo sua primeira língua, então não crescemos bilíngues. Ela era daquela geração de imigrantes que queriam muito que seus filhos fossem norte-americanos verdadeiros".