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Estamos na primavera, mas faz um calor dos infernos. Aí um especialista diz que a primavera tem dias mais quentes que o próprio verão. Sem dúvida, as coisas andam meio estranhas: o Corinthians é campeão da Libertadores, Fausto Silva ficou magro, José Dirceu foi condenado, Xuxa virou morena e a primavera é mais quente que o verão. Será o fim do mundo?

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Aqui em Londrina chegamos aos 40 graus dois dias depois da vitória de um candidato a prefeito que tinha 2% das intenções de voto no começo da campanha. Caminhando pelo centro da cidade, imaginei que também deveria estar muito quente 78 anos atrás, na tarde em que o jovem russo Eugênio Victor Larionoff, funcionário da Companhia de Terras Norte do Paraná, assistiu à cerimônia de instalação do município de Londrina, em 10 de dezembro de 1934.

Há exatos 30 anos, em artigo jornalístico, Larionoff descreveu com acuidade esse momento histórico para Londrina. Ao reler seus textos e entrevistas, mais uma vez admirei a memória do pioneiro russo, prodigiosa e detalhista. A exemplo de dois outros grandes personagens da história londrinense, Arthur Thomas e George Craig Smith, dos quais foi amigo, Larionoff escrevia muito bem – em português e inglês.

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Eugênio Larionoff passara a infância na Sibéria. Deve ter sentido muito calor naquela sala apinhada de gente, no prédio de madeira que serviu como primeira sede da prefeitura. Era uma ocasião solene; o russo usava terno, gravata e botas de cano alto. Mas, pelas palavras de Larionoff, o calor foi menos intenso que a emoção de ser um dos primeiros signatários da "certidão de nascimento" londrinense: "Todos estavam com os semblantes solenes, de acordo com a importância do momento. Eram as ‘autoridades’ que finalmente vinham a Londrina a fim de lhe dar o devido reconhecimento e compartilhar a fé com que os pioneiros sempre encararam o futuro".

Quando vou à biblioteca – e vou lá quase todos os dias –, nunca deixo de visitar os meus russos. São velhos amigos: Tolstói, Dostoiévski, Turguêniev, Tchekhov, Soljenítsin, Pasternak... Converso com eles, releio contos, capítulos de romances, diálogos de peças, poemas. Muitas vezes levo um livro russo para casa.

Em Londrina, o meu amigo russo é Larionoff. Além de ler os grandes escritores de sua pátria, ele viveu como um personagem da literatura. Sonho em escrever um livro sobre esse homem que nasceu na fronteira da Rússia com a Turquia, em 1906; passou a infância na Sibéria; foi obrigado pelos comunistas a deixar sua pátria; morou no deserto egípcio; veio para o Brasil com 20 anos; ajudou a desbravar o Norte do Paraná; criou uma das mais importantes avenidas de Londrina; construiu a primeira casa da cidade de Rolândia; amou as florestas e chorou com a sua derrubada; viajou pelo mundo inteiro e morreu em 1994, tendo suas cinzas jogadas no Oceano Glacial Ártico.

Londrina nasceu empresa. No artigo sobre aquela tarde quente e histórica, Larionoff observa que a cidade só existe graças a um projeto da Companhia de Terras Norte do Paraná. O Estado e os políticos chegaram bem depois... Comenta o russo: "Os pioneiros eram homens de fibra, acostumados a trabalhar por iniciativa própria e sabendo economizar. Não pertenciam àquela espécie humana que só produz, e muito mal, sob o patrocínio de um governo". Mais adiante, descreve o caráter especial da cidade que nascia: "Formava-se assim uma comunidade sui generis, sem governo, briosa de sua independência, operosa e solidária entre si."

Se tivesse permanecido na Rússia, Eugênio Larionoff provavelmente teria sido morto pelos comunistas. Foi esse o destino de seu pai. Foi esse o destino de um bisavô do prefeito eleito de Londrina. Larionoff buscou a liberdade – e a encontrou numa cidade que nasceu como empresa e sem governo no meio da floresta. Que o pioneiro russo sirva de modelo para novos tempos. Tempos de mais suor, mais trabalho e menos governo.

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