Se estivéssemos em 1.º de abril, eu pensaria que era um trote bem-humorado: os países emergentes vão salvar a Europa quebrada e falida, emprestando dinheiro de suas reservas e comprando títulos portugueses, italianos, gregos... Mas não estamos em abril e a notícia é séria: afinal, somando China, Brasil e alguns outros, há mais de 1 trilhão e meio de dólares armazenados em reservas do Terceiro Mundo. Mas não deixa de ser curioso que, depois de passar décadas sendo ironizados por nossa imprudência financeira, sejamos chamados a socorrer alguns dos que gostavam de nos dispensar sabedoria e expertise em matéria de dinheiro.

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Não é, porém, a primeira vez que o insólito visita o Brasil nessa área. Quando o Plano Cruzado foi lançado, convivemos com um absurdo por vários meses: produtos novos custavam menos do que os mesmos produtos vendidos como usados. Judas Tadeu Grassi Mendes, em um artigo, desvendou o mistério: veículos novos, por exemplo, estavam com seus preços congelados, enquanto que os carros usados (que hoje são chamados de semi-novos) tinham seus preços liberados. Não surpreendentemente, os veículos novos desapareceram das concessionárias e os interessados, quando os procuravam, eram orientados a procurar uma revenda de carros usados de um empresário amigo da casa, onde encontravam o que queriam desde que pagassem um ágio. Tecnicamente, eles eram usados, pois já haviam sido vendidos uma vez da concessionária para os vendedores de usados. Simples, não é? Mas vá explicar para um estrangeiro que um bem usado é vendido por preço superior ao de um absolutamente novo... Como diria Stanislaw Ponte Preta, será tão difícil fazê-lo entender quanto, para um inglês entender o que é "ponto facultativo", uma das pérolas da cultura burocrática brasileira.

Quando o Plano Collor foi lançado, houve um momento de estupor e durante alguns dias o mercado paralelo de câmbio parou de funcionar, esperando uma melhor sinalização do que iria acontecer com a cotação da moeda americana. Para estrangeiros que trabalhavam em multinacionais no Brasil e recebiam seus salários em dólar, criou-se uma situação inédita: acostumados a trocar seus salários no câmbio paralelo – que naquela época valia o dobro da cotação oficial – essas pessoas, de repente, não conseguiam trocar seus dólares por cruzeiros (ou cruzados, cruzados novos, cruzeiros reais, seja lá qual fosse o nome da moeda de então). Eu dirigia a Área Internacional do Bamerindus e recebi um telefonema súplice do representante de um banco internacional: ele não tinha condições de sequer pagar a empregada e o leite e o pão de cada dia porque não conseguia trocar seus dólares. Pedia que eu autorizasse o banco no Rio a fazer um adiantamento em moeda nacional até que a situação voltasse ao normal. Disse a ele que faríamos o que ele pedia imediatamente por duas razões: primeiro porque ele era um bom amigo e parceiro do banco; e segundo porque eu queria poder contar, no futuro, que o Brasil é um país tão surpreendente que houve um momento em que quando alguém tentava trocar uma moeda forte para uma fraca, a moeda forte era recusada... Isso só acontece em um país surrealista como o nosso.

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Por que estou divagando sobre curiosidades e amenidades? Porque – perdoe-me o paciente leitor – não estou com a menor inspiração para escrever sobre governo e política pública quando leio no jornal que o Ministério do Turismo, que era ocupado por um deputado maranhense apaniguado dos Sarney e que não tinha qualquer familiaridade com o setor de turismo, foi substituído por outro deputado maranhense, cupincha dos Sarney e que também não tem qualquer familiaridade com o setor de turismo. Nem de escrever sobre a modernização do aparato judicial brasileiro, que também estava me entusiasmando, quando vejo a Justiça premiar a estratégia procrastinatória do jogador Edmundo: como se passaram 16 anos sem que o Animal fosse julgado definitivamente, sua punibilidade foi extinta e ele está saindo livre, leve e solto, com atestado de bons antecedentes, do episódio em que provocou a morte de três pessoas. Isso na mesma semana em que o terrorista e assassino Cesare Battisti comemora na imprensa sua transformação em cidadão brasileiro, por obra e graça do Supremo Tribunal Federal que poderia ter corrigido o ato indesculpável de Lula, que foi um acinte às famílias das vítimas do agora brasileiro e à integridade da Justiça italiana, mas preferiu não fazê-lo. Foi demais para meu combalido fígado.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.