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Felipe Lima

Os eventos ocorridos no interior de penitenciárias brasileiras totalizam 102 mortes nos primeiros dias de 2017. Houve manifestações de apoio, motivo pelo que, respeitando todas as opiniões, entende-se que é necessária uma reflexão mais complexa.

A política criminal se socorre da pena de prisão como retribuição sancionatória do delito; referida política se mostra fracassada. Mesmo com o esforço legislativo para reduzir a população carcerária insculpido, por exemplo, no estabelecimento de medidas cautelares alternativas à prisão e nas audiências de custódia, o crescimento da população prisional não desacelerou.

Na mesma velocidade em que a população carcerária aumenta, os índices de criminalidade a acompanham: atualmente o Brasil concentra 13% dos homicídios do mundo, mesmo com um aumento da população carcerária médio de aproximadamente 7% ao ano nos últimos 25 anos.

Referida disruptura chancela que não é possível sustentar a política de segurança pública com um sistema prisional do porte do brasileiro. Isso porque o aumento da população carcerária deve ser acompanhado pelo acréscimo orçamentário a esta área, o que é impossível na atual situação financeira de qualquer estado – mesmo dos países desenvolvidos.

O sistema prisional impõe pena corporal mais agravada que a privação de liberdade decretada em sentença condenatória

Com a população carcerária saturada, a cada pessoa presa, uma deve ser solta. E cada pessoa solta passa a estar em condição favorável a cometer novo delito, já que passou por período estigmatizador. O ciclo se repete e a criminalidade aumenta. Tudo isso fomentado por um sistema prisional absolutamente oneroso sob o aspecto financeiro para o Poder Executivo, e exageradamente adotado pelo Poder Judiciário.

Assim, a decorrência é lógica: aumenta-se a população carcerária sem possibilidade se incrementar as condições materiais de aprisionamento. Os presos ficam em condições cada vez mais inadequadas, sendo força motriz ao tensionamento e reincidência delitiva. O Estado cede lugar para organizações prisionais que ditam as suas regras e executam as suas próprias determinações.

O estado do Paraná, mesmo com um orçamento de R$ 136,2 milhões para o sistema penitenciário – o que representa R$ 3.016 por preso –, é um dos poucos estados que ainda mantêm presos em superlotadas delegacias de polícia: são aproximadamente 9 mil presos. Eles deveriam ser encaminhados a penitenciárias ou presídios, que não têm condições de abrigar esse contingente.

A Defensoria Pública do Estado conta com 16 defensores públicos que atuam em favor dos quase 30 mil presos que executam pena em regime fechado e semiaberto, em 29 unidades prisionais. Trata-se do único órgão que atua em favor da redução do poder punitivo estatal, como órgão de execução da pena e patrona processual de quem não constitui advogado. Em fevereiro de 2014, promoveu pedido de relaxamento coletivo em 14 comarcas do estado do Paraná, a fim de atacar o problema dos presos em delegacias de polícia. Referidos pedidos foram rejeitados pelo Poder Judiciário.

Diante da horrenda barbárie ocorrida, diferentemente de celebrar ou culpar as vítimas, deve-se chamar a atenção para o fracasso do atual modelo punitivo. Em verdade, o sistema prisional impõe pena corporal mais agravada que a privação de liberdade decretada em sentença condenatória. Inflige, em suma, se não a morte física, a morte social, gerando perpetuação de violência.

Camille Vieira da Costa é coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Paraná. Henrique Camargo Cardoso é defensor público de Execução Penal.
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