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Existe todo um simbolismo pautado na figura de um herói que reproduz um sentimento de pertencimento da população a determinado projeto de governo, identificação de ideias, pontos de referência e identificação coletiva. E desde que Joaquim Barbosa retirou-se do cenário da Justiça – e, sim, do cenário político – o brasileiro ficou carente de paladino ou herói.

O vazio deixado por Barbosa (já repensado como figura heroica, uma vez que ocultou conta no Panamá) parece ter sido ocupado por personagens como Eduardo Cunha, Michel Temer, Renan Calheiros, Aécio Neves, Paulo Maluf e Jair Bolsonaro. São esses os ícones atuais de uma parcela grande do povo que não só aceita e luta pelo impeachment de Dilma como concorda com qualquer um desses “heróis” como presidente da República no lugar da chefe atual do Executivo.

Benedict Anderson cunha (trocadilho intencional) o termo “comunidades imaginadas”, que para ele são mais que inventadas. As nações – no sentido maquiavélico – constituem objetos de desejos e projeções pessoais. E é o que vislumbramos quando escutamos o discurso de Michel Temer ou sabemos que sua esposa já tem, desde muito tempo, o vestuário que a erigirá ao título de primeira-dama. Mas a antecipação seria um elogio ou presume-se um golpe altamente orquestrado? E as acusações que recaem sobre os principais comandantes do impeachment?

A nação imaginada pelos que apoiam a destituição da petista parece ser o paraíso

O jornal The New York Times lista os líderes do impeachment como corruptos inveterados – como, por exemplo, Paulo Maluf, condenado pela Justiça francesa por lavagem de dinheiro de 1996 a 2005. Destaca a propina recebida por Eduardo Cunha, estimada em US$ 40 milhões; os crimes de fraude eleitoral; abusos de direitos humanos (Beto Mansur é acusado de explorar e escravizar empregados em sua fazenda de soja, e Eder Mauro é acusado de tortura); e a corrupção passiva de Renan Calheiros e Michel Temer, também delatados na Operação Lava Jato. Todos esses infratores alçam-se como modelos de justiça, quando não passam de títeres da corrupção e do golpe.

O jornal americano ressalta, ainda, que Dilma não está sendo alvo do Legislativo por acusações de corrupção, mas por possível crime de responsabilidade fiscal. No entanto, os valores estipulados nos seis decretos totalizando R$ 96 bilhões (dos quais R$ 2,5 bilhões seriam receita nova) foram remanejados após a solicitação de órgãos do Judiciário e do Tribunal de Contas da União (TCU), inclusive repassando parte das cifras ao Legislativo e ao Judiciário. É possível entender, a partir da reportagem, que os réus de diversos crimes são os principais ativistas e beneficiados com a queda da presidente.

A nação imaginada pelos que apoiam a destituição da petista parece ser o paraíso. Com Michel Temer no comando, supostamente todos os problemas econômicos serão resolvidos e toda a corrupção será banida. Mas Temer e Cunha não são acusados de corrupção, inclusive com contas que comprovam os depósitos milionários mandados ilegalmente para o exterior? Que novo Executivo teremos, então? Temer parece aqueles maridos que desfrutam de um casamento pretensamente perfeito e, quando a amante exige a separação, ele desdenha a vida toda com a esposa, deixando-a sem amigos, sem recursos financeiros, sem parceria de nenhuma ordem. Temer e seu partido despojaram os cofres públicos e Dilma durante anos e agora, na possibilidade de tornar-se presidente, vira as costas como um traidor pária.

Essa nação inventada por gente sem criticismo e sem política estadista para as gerações futuras terá de ser explicada por anos de recessão, falta de credibilidade externa, corrupção novamente colocada debaixo do tapete, como bem fez o PSDB durante anos.

Há, em nossa mentalidade, o equívoco da servidão partidária, quando na realidade as alianças políticas em época de eleições não preservam ou contemplam nenhuma ideologia própria. Não é preciso apoiar este ou aquele partido, mas deve-se apoio – sem ufanismos – ao país. Ser tendencioso ajuda em quê? Não se vê ninguém afeito à luta “apartidária” para diminuir gastos despropositados com folha de pagamento de políticos, seja na esfera municipal, estadual ou federal; ou cortes públicos em incentivos fiscais para a iniciativa privada. A redução dos gastos parece sempre percorrer os setores mais nevrálgicos: educação (percebida pela maioria dos políticos, sobretudo os do PSDB, como oneração para o Estado), saúde (vergonhosa e profundamente lastimável) e segurança (o que lembra Renato Russo: “os assassinos estão livres, nós não estamos”).

Não basta vestir a camiseta da seleção (aquela que muitos juraram não vestir mais depois do 7 a 1) para tirar fotos e publicar nas redes sociais. É preciso ser racional e ser contra a corrupção e não contra um partido ou um indivíduo. Ou ficaremos assim, bestializados, como diria José Murilo de Carvalho, enquanto o poder corrupto toma posse como herói de uma nação inventada.

Claudiana Soerensen é doutoranda e mestre em Letras, com área de concentração em Literatura e História.
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