Com esta sentença, Marlon Brando tornou célebre a personagem do capitão Kurtz, no filme Apocalypse Now, de Coppola (uma versão cinematográfica do clássico O coração das trevas, de Joseph Conrad). Pois foi justamente esta imagem que me veio à mente quando li a notícia – e vi as fotos – do violento confronto entre manifestantes e forças públicas, nos arredores da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. Horas de batalha campal das forças institucionais e de pessoas que protestavam contra a votação de uma lei que pode lhes trazer prejuízos financeiros (além do modelo de Estado que está por detrás dela); quase duas centenas de pessoas feridas; manifestantes atribuindo à violência policial a responsabilidade pelo transtorno; governo imputando-a à “irracionalidade” dos manifestantes. Tudo isso em pleno Centro Cívico (construído para celebrar o civismo), em ruas rodeadas por prédios em que servidores públicos – eleitos, comissionados e efetivos – são pagos para desenvolver os melhores esforços em favor da coisa pública (a res publica).
Algo está muito errado no nosso modelo de constitucionalismo e no manejo das forças institucionais
Há algo de muito errado nos ares do Centro Cívico quando o Estado volta-se contra seus constituintes, com armas em punho; quando os legisladores eleitos rechaçam os seus eleitores; quando os manifestantes não poupam qualquer agressividade. O horror, o horror... o horror tem um rosto, segundo o capitão Kurtz, mas impede que o julguemos. Quando a civilização abdica de suas condições primárias de vida social e vê o homem reduzido ao papel institucional de agressor ou de agredido, algo de muito errado está em curso.
Ora, os sinais que a rua nos envia desde 2013 são razoavelmente claros para quem se dispuser a dedicar o seu tempo a eles. Nem precisamos gostar desses sinais, tampouco concordar com eles, mas fato é que são nítidos e fortes demais para serem ignorados. O barulho é muito alto e vem de diversas fontes, a indicar que nossos modelos de Estado e de relacionamento público-privado estão a desmoronar. Esse afastamento violento de perspectivas é próprio de momentos de aceleração do ritmo histórico. Porém, não ocorrem num big bang, como se o tempo passado e as conquistas civilizacionais pudessem ser simplesmente ignoradas e substituídas por força bruta. Quando o Estado bate nos seus, naqueles que são a sua razão de ser e a quem deve servir, não há alternativa senão a de pensar seriamente a respeito do que se passa – e como conter essas cenas de barbárie.
O horror, o horror... É preciso, urgentemente, que reflitamos a propósito dessa grave inversão de valores. Algo está muito errado no trato da coisa pública. Algo está muito errado no nosso modelo de constitucionalismo e no manejo das forças institucionais. Está na hora de mudanças radicais.
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