A faxina cívica da presidenta, como ela gosta de ser chamada, não precisará ir muito a fundo. Como dizem os caipiras, a cada enxadada virá uma minhoca. E o minhocário nacional é abundante
Estava disposto a escrever sobre a mais apaixonante polêmica atual: a aparente censura decretada a um filme que quase ninguém viu e pelo comentário dos que viram é um lixo completo: o tal A Serbian Film. Mas sinto que o debate vai se encaminhando para a velha especialidade brasileira: os que se consideram libertários, iluminados, cognoscenti, já entram em campo assumindo o papel de mocinhos admiráveis, inimigos "da censura", enquanto desancam os argumentos favoráveis à proibição do filme como manifestações de obscurantismo, intolerância e burrice indisfarçada. Esse tipo de debate me dá uma preguiça digna do Dorival Caymmi e, portanto, vou me limitar a sugerir às vozes furibundas com a proibição do filme, que leiam um recente artigo da Dra. Rogéria Dotti aqui mesmo neste espaço e que consigam a gravação da palestra que Miguel Reale Junior fez na OAB-PR no dia 8 de agosto, quando a liberdade de expressão como direito absoluto ou relativo e as cautelas mínimas necessárias para que as pessoas vivam pacificamente em associação foram tratados com sobriedade e profissionalismo.
Meu estoque de libertários autênticos já está bem suprido com Raul Seixas, lembrando aos menos avisados que o autor de "Viva a Sociedade Alternativa" também compôs "Cansei de Andar na Contramão".
Vamos, pois, a assuntos mais pedestres e que têm ou podem ter maior impacto no nosso cotidiano: a crise na base aliada do governo, indignada com algumas faxinas cívicas que estão sendo realizadas. Próceres (que palavra miserável) do PR Partido da República (sic) estão indignados por serem tratados "como lixo", quando o que realmente causa indignação é vê-los chafurdando no próprio. O ministro da Agricultura, com absoluta sinceridade e candura, declara que a Conab está recheada de afilhados políticos, mas que isso não é ilegal... como se a discussão a respeito do velho e consagrado costume de arranjar empregos para parentes e cabos eleitorais com o dinheiro do contribuinte se limitasse à sua legalidade formal. O presidente do Senado, eleito pelo Amapá apesar de não morar lá, tenta se distanciar de mais um escândalo envolvendo um apaniguado político, o ministro do Turismo e uma ONG chapa-branca. De onde? Do Amapá.
Aliás, uma pergunta intrigante é: por que se gastou R$ 4 milhões para formar quase 2 mil agentes de turismo em Macapá? Com o devido respeito aos macapaenses, não acredito que as belezas naturais e culturais da cidade comportem ou exijam o treinamento de tanta gente para demonstrá-las aos turistas que lá vão... Se fosse Foz do Iguaçu já seria exagerado, em Macapá é grotesco. Dizia meu velho e sábio pai que quando a burrice é demasiada, burro é quem não entende que o que existe é esperteza demasiada. Esse problema de convênios com ONGs chapas-brancas como maneira de lavar dinheiro público já passou de todos os limites razoáveis, sem que se faça nada ou quase nada.
A faxina cívica da presidenta, como ela gosta de ser chamada, não precisará ir muito a fundo. Como dizem os caipiras, a cada enxadada virá uma minhoca. E o minhocário nacional é abundante, mas tenho receio de que a presidenta esteja dando enxadadas a torto e a direito sem arregimentar aliados e multiplicando desafetos, obviamente incomodados pela faxina saneadora. Será bom que ela esteja muito atenta para o grau de malignidade e de astúcia de que a vida política brasileira está possuída. Eu não dormiria minimamente tranquilo tendo por aliados um Sarney, um Henrique Eduardo Alves, um Renan Calheiros, um Eduardo Cunha e muitos companheiros de seu próprio partido... Vade retro!
A não ser que, como por milagre, se aplique a regra magna da política brasileira para sanear nossa vida pública: "Ou comemos todos juntos, ou haja moralidade!"
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.