Os professores Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli, da FGV, escreveram um artigo para o jornal Valor Econômico, na semana passada, cuja tese era a seguinte: “o atraso secular brasileiro e sua péssima distribuição de renda são consequências do modelo de desenvolvimento aqui adotado, que ignorou educação e protegeu o mercado local”. Não só. O modelo político e econômico desenvolvido no Brasil não é a origem de todo o problema, mas a manifestação de algo anterior, ou seja, da nossa cultura social e política de dependência e servidão e de terceirização de responsabilidades. É, aliás, o tema central do meu livro Pare de Acreditar no Governo – Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado”.
O principal equívoco do artigo, porém, é de imaginação moral ao demonstrar a visão positiva dos dois professores (e de grande parte da intelligentsia brasileira) em relação à esquerda.
Ferreira e Fragelli encerram o artigo manifestando uma incompreensível surpresa pelo fato de 13 anos de governo do PT (que eles erroneamente chamam de “13 anos de governos de esquerda”, desconsiderando os dois mandatos de FHC) não terem conduzido o país a mudanças estruturais. E que a explicação para isso seriam “as alianças políticas com grupos conservadores e fisiológicos, a farra patrimonialista revelada pelo petrolão e outros escândalos, e a utilização dos bancos públicos e fundos de pensão para pesadas transferências de renda para o grande capital”.
Só haverá política econômica adequada se houver, antes, ideias políticas e econômicas adequadas
Esclarecer é preciso: o que os dois professores disseram foi que o PT não fez o que seria esperado de um partido de esquerda somente porque se aliou a “grupos conservadores e fisiológicos”. Se não houvesse aliança, então, os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff teriam cumprido o programa de desenvolvimento. Em suma: a responsabilidade não é, segundo Ferreira e Fragelli, exclusivamente do PT.
Isto me lembra um artigo de 2006 de Olavo de Carvalho, “A fraude do populismo continental”. Olavo mostrava, dez anos atrás, de que forma intelectuais de esquerda como Jorge Castañeda preferiam debitar os problemas da América Latina já sob governos socialistas à influência dos populistas da região em vez de admitir os equívocos do socialismo.
Este é o problema dos professores Ferreira e Fragelli e daqueles que desconhecem a ideologia e o método de atuação dos socialistas. Ao depositar qualquer tipo de fé na pureza do discurso de partidos como o PT, os dois professores ignoram que faz parte da natureza do socialismo aparelhar o Estado e que o modelo econômico socialista premia a riqueza da elite do partido enquanto desestimula a prosperidade geral.
Os 13 anos de governos petistas preservaram o modelo político e econômico que são a causa do “atraso secular brasileiro e de sua péssima distribuição de renda” porque manter a sociedade dependente do governo equivale a mantê-la refém do partido. E a explicação para as decisões equivocadas tomadas por técnicos que integraram os dois governos petistas (e os anteriores: FHC, Collor, Sarney) são em parte ignorância e em parte rejeição a soluções políticas e econômicas que conduzem à prosperidade e que são, por isso, divergentes da formação acadêmica que tiveram ou da ideologia que professam.
De uma maneira ou de outra, desgraçadamente, somos nós, brasileiros, que pagamos a conta. E que sofremos as consequências negativas das políticas econômicas dos sucessivos governos presidencialistas que assolam o Brasil desde o golpe militar de 1889.
Não se iludam: só haverá política econômica adequada se houver, antes, ideias políticas e econômicas adequadas sob um regime e sistema de governos adequados. O presidencialismo brasileiro e o sistema político (incluindo o eleitoral) são cadáveres insepultos que mais apodrecem à medida que se movem. E nós somos os miasmas à espera de uma impossível ressurreição.
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