Quando as eleições de 2014 tiveram seu resultado final, já era previsível que o acirramento da política brasileira iria se intensificar nos meses seguintes. Em uma eleição de mais de 100 milhões de votos, a diferença entre os dois candidatos que foram ao segundo turno, Dilma e Aécio, foi de 3,5 milhões de votos.
Pra quem venceu o candidato do PSDB, José Serra, em 2010 com mais de 10 milhões de votos, a vantagem obtida na eleição de 2014 revelou um considerável enfraquecimento. No mesmo sentido, setores da oposição ligados ao partido de Aécio viram nessa conjuntura a possibilidade de virar o jogo em uma espécie de “terceiro turno”. Como demonstração disso, o debate sobre o impeachment de Dilma já vem se arrastando desde os primeiros dias de mandato da presidente.
Há, certamente, milhões de pessoas no Brasil que não se conformam com o resultado eleitoral, pois apoiaram e votaram em outro candidato. Mesmo eleita, Dilma não terá a simpatia de todos. Na democracia, essa nem sequer é a intenção.
A simples desaprovação de um governante não é fundamento inequívoco para o impedimento
Resolvida a questão na eleição direta, um governante eleito governará até o fim do mandato, à exceção da ocorrência de um impeachment, ou impedimento, que não decorrerá da desaprovação popular reiterada em pesquisas de opinião, e sim da prática pela Presidência de “crimes de responsabilidade”. Normalmente, a ocorrência de um impedimento também é acompanhada de grande desaprovação popular, resultante da decepção da opinião pública em relação ao governante. Mas a simples desaprovação de um governante não é fundamento inequívoco para o impedimento.
Diante do encaminhamento concreto do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, surgiram comparações entre a conjuntura atual e outras conjunturas que suscitaram o impeachment, como, no caso brasileiro, o episódio da deposição de Collor. Por exemplo, cita-se que os níveis de desaprovação do governo hoje são equivalentes ao de Collor às vésperas de seu impedimento.
Outro caso lembrado recentemente foi o de Richard Nixon – ex-presidente dos Estados Unidos que renunciou ao mandato quando se tornou inevitável seu impeachment no Congresso – mencionado pelo juiz federal Sergio Moro. O caso de Nixon se assemelha por estar relacionado à divulgação de conversas telefônicas pessoais do presidente. Por lá, ficou comprovado o envolvimento de Nixon no escândalo de grampos na sede do comitê de campanha do partido oposicionista.
Mas, se existem semelhanças entre esses episódios de impedimento e a atual conjuntura que envolve a presidente Dilma, também há substanciais diferenças. Primeiro: ninguém saiu às ruas em defesa de Collor ou Nixon. Mesmo com baixos índices de popularidade, Dilma possui substancial apoio de parte da sociedade que discorda de sua deposição. Em síntese, as pessoas reprovam seu governo, mas não concordam que isso seja motivo para derrubá-la. Outra diferença é que, nos casos em que efetivamente houve impeachment, revelou-se de forma inequívoca o envolvimento pessoal do presidente da República em condutas criminosas. O mesmo não se pode dizer de Dilma: a argumentação do impeachment se funda em uma discussão contábil cheia de tecnicalidades e que, naquilo que eventualmente seja ilícito, atinge diversos governos estaduais.
Por tudo isso, se em outros casos de impeachment a bola estava pingando na frente do gol, pronta para alguém chutar para dentro, no caso de Dilma estamos em um episódio de bola dividida. A resistência popular ao impeachment é o principal fato da atual crise política.
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