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A beleza das mocinhas serve para indicar sua fertilidade e despertar o amor. Schopenhauer, misógino como só um filósofo alemão saberia ser, foi mais longe ao dizer que “a Natureza dá às moças por alguns anos tamanha riqueza de beleza e plenitude de charme, às custas do resto de suas vidas, para que durante esses anos elas aprisionem a fantasia de um homem ao ponto de convencê-lo a cuidar delas honradamente, de alguma maneira, pelo resto da vida – um passo injustificado, se ele ao menos parasse para pensar”. Trata-se de um meio, e um meio efêmero, não de um fim ou mesmo de uma identidade. Não se é uma moça; está-se moça.

Mas “tamanha riqueza de beleza e plenitude de charme” é uma arma que se deve saber usar, e nossa sociedade incentiva o seu mau uso. A sexualidade tornou-se para nós uma fonte de poder intrínseco, em vez de um meio de união do casal e perpetuação da espécie. Sem se dar conta da efemeridade da beleza, as moças sabotam química e fisicamente a fertilidade e dedicam-se a outras finalidades o que deveria ser o caminho do coração. Sem respeitar aquelas cuja beleza os enfeitiça, os rapazes se dedicam a fazer do que deveria ser um ato de união uma ação para outros fins. Um e outro fazem do próximo uma coisa, um objeto. A pornografia onipresente informa o imaginário sexual, coisificando ainda mais a si mesmo e ao próximo, e dificultando ainda mais a entrega verdadeira de si.

“Uma filha mulher”, foi o que a vítima disse desejar a seus estupradores

É este o contexto dos horrendos acontecimentos da semana passada. Não se trata de uma “cultura do estupro” porque o problema não é apenas o desrespeito ao “não” da mulher, como ocorre em muitas sociedades que não a nossa. Estupradores são linchados no Brasil, não celebrados. O que temos é ainda pior que uma cultura do estupro: é uma cultura da morte, da coisificação do outro, da pornografização da sexualidade, em que a mocinha núbil se quer “novinha tarada” e o rapaz se quer “comedor”. Ambos tratam a si mesmo e ao próximo como coisa; ambos usam a genitália como instrumento de poder efêmero, de domínio ilusório e desrespeitoso de si e do outro.

Quem estupra também se estupra, e estuprar uma mulher é estuprar todas as mulheres. Não interessa se a vítima corroborou de alguma forma a própria coisificação, se ela mesma por vezes não teve consciência da própria dignidade. Na verdade, não interessaria sequer se ela tivesse concordado entusiasticamente com o ato, como alguns misóginos arrotaram: ele continuaria a ser criminoso em todos os sentidos, coisificante para todos os envolvidos e humilhante para toda a espécie humana.

“Uma filha mulher”, foi o que a vítima disse desejar a seus estupradores. Ela entendeu.

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