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Tiranos carismáticos encarnam o Estado que deixa de ser sociedade de cidadãos e se torna pessoa jurídica individual. A sorte do empreendimento se liga ao destino do indivíduo que o move. É o apogeu do poder, experimentado na Antiguidade pelos monarcas absolutos que se apresentavam como deuses ou, quando humildes, como mensageiros da divindade. Na atualidade, esse discurso démodé não encontra ressonância, mas, mantendo a linguagem da república que endeusa o povo, figuras como Chávez, os irmãos Castro e Evo Morales agem como messias da divindade republicana.

Não há dois profetas do mesmo deus simultaneamente. Os tiranos eliminam toda competição pelo título de representante do povo. Se houvesse exorcismo de ditaduras, quando o sacerdote perguntasse o nome do demônio, ouviria a resposta dada pelo geraseno a Jesus: "Legião é meu nome, porque somos muitos". O tirano vê em si o povo, no seu corpo está todo o povo. O tirano acredita que não é perecível ao tempo, se autoilude, imaginando-se acima do mundano, da natureza. Quando o "corpitcho" sucumbe à condição humana, se tem a tragédia de o Estado morrer com o tirano. Après moi, le deluge – depois de mim, o dilúvio.

Pessoas jurídicas são invenção para permitir que empreendimentos econômicos e políticos sejam mais duradouros que a vida de uma pessoa física. A separação entre governante e Estado, entre empresário e empresa, é uma das contribuições do Iluminismo para o desenvolvimento do Ocidente. Foi isso que propiciou a formação das grandes empresas que se capitalizam por gerações. Conceitualmente, a república se assemelha à sociedade anônima e exige a despersonalização do governante, mero procurador dos cidadãos/sócios e não a encarnação de todos eles.

Ao reduzir a Venezuela a sua pessoa, Hugo Chávez marchou em direção ao passado, às monarquias absolutistas. Ocorre que não deixou herdeiro para o suceder no trono. O vazio político depois de alguém tão carismático, que destrói toda a estrutura institucional submetendo o Legislativo e o Judiciário a seus caprichos, é um começo, não mera continuidade. A Venezuela, se quiser trilhar o caminho do futuro, da democracia, terá de edificar instituições não biodegradáveis.

Getúlio Vargas morreu no exercício do cargo. Feitas as devidas adequações, foi o nosso Chávez. O tumulto sucessório custou muito caro ao Brasil, inclusive com a cisão entre as Forças Armadas que chegou ao extremo de o Exército disparar canhões contra a nau capitânia da Marinha, um dos eventos da novembrada de 1955. Tancredo morreu na véspera da posse, em 1985. Mais maduros, não tivemos quarteladas, tumultos multitudinários, apedrejamento da embaixada do Estados Unidos. Aliás, eles próprios sofreram homicídio de dois presidentes no exercício do mandato e nem por isso perderam o rumo.

O culto à pessoa do governante é primitivo, sinaliza atraso cultural, rudeza civilizacional. A pessoa incumbida transitoriamente dos deveres de governar é tão humana – nas virtudes e nos defeitos – quanto os governados e deve permanecer pouco tempo no poder, voltando ao convívio rotineiro para viver e adoecer de modo comum, sem confundir a sua história com a do país.

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