Completamos 193 anos de soberania. O bicentenário está logo adiante e não há sinal de que os governantes tenham intenção de celebrar efusivamente a efeméride.
A comemoração dos 500 anos do descobrimento foi fiasco. A caravela não navegava, o FHC caiu na esparrela de se envergonhar porque os europeus chegaram aqui com seus germes, armas e aço. Incompetência administrativa para fazer a festa e equívoco ideológico de se encher de pruridos “politicamente corretos” com a comemoração porque os povos que ocupavam as terras perderam espaço e presença.
O Homo sapiens eliminou, dolosa ou culposamente, todos os outros hominídeos que lhe foram contemporâneos. A aplicar, in extremis, o raciocínio regressivo que inibiu a comemoração do pentacentenário, deveríamos (os 200 milhões) nos mudar para Pasárgada, deixando vácuo para o statu quo ante.
Como pretender que as pessoas de hoje paguem por condutas de antepassados?
Tolice pensar o ontem com as ideias de hoje. Se não fossem os europeus, seriam os semitas ou os chineses a chegar à América e à Oceania. Nos dois continentes as condições de vida eram similares às da Idade da Pedra, com o transcurso de milhares de anos sem nenhuma inovação científica ou tecnológica.
Na Eurásia e parte da África houve aquisição de conhecimentos e habilidades que deram vantagem militar e econômica. Mais dia menos dia, gente do Velho Mundo chegaria. O globo não permaneceria indefinidamente seccionado; as suas partes seriam ligadas por quem detinha meios para as jornadas marítimas.
Diga-se, os chineses tinham embarcações muito melhores que as dos outros povos e fizeram navegações em grande escala no Índico e áreas do Pacífico, não tendo dominado o mundo em razão de conflito dinástico, vencido pelos que repudiavam o contato com os “bárbaros”.
Princípio fundante do Direito Penal moderno diz que a sanção deve se restringir ao criminoso. Como pretender que as pessoas de hoje paguem por condutas de antepassados? O que qualquer um de nós tem a ver com Vasco da Gama, Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral, Hernán Cortez, James Cook?
Os humanos são autóctones apenas no chifre da África. No resto do mundo são alóctones. A rigor, não existem aborígenes pois somos todos arrivistas. Por isso, a antiguidade não é posto. Somos todos legítimos filhos desta terra e nas divergências e convergências criamos identidade cultural que não existia; somos brasileiros. A brasilidade está na alma, não no desenho dos olhos, cor da pele, do cabelo.
Sem o grito do Ipiranga, não existiria a lusofonia melódica, doce. Talvez o fado fosse a música símbolo. Samba, bossa nova, vaneirão, baião, axé e até o tecnobrega decorrem da independência política. Tapioca, feijoada, churrasco, hum! Ao engendrarmos a monarquia, instaurar a república, fazermos textos constitucionais periódicos, erigir Brasília, ganhar a Taça Jules Rimet e perder vexatoriamente jogo com a Alemanha, oscilarmos entre democracia, ditadura e populismo, nos diferenciamos de todos os outros povos.
Hoje é dia de festejar o Brasil e a brasilidade, reforçando o sonho de que em breve, nos 200 anos, as luzes do futuro sejam de aurora e não de ocaso.