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"Calumnia, calomnie", disse Elisa Lynch sobre os comentários que os vencedores da Guerra da Tríplice Aliança fizeram a respeito de sua vida na França, à época em que conheceu Francisco Solano López, com o qual passou a viver em concubinato. Personagem complexa, irlandesa na terra guarani, Elisa tinha inimigos internos e externos. Após a derrota, voltou à Europa coberta pelo opróbio de pertencer ao demimonde. Mãe de sete filhos de Francisco, não se livrou da maledicência de ter atuado nos chiques prostíbulos de Paris em meados do século 19. Difamá-la se tornou obsessão de historiadores e romancistas que escreveram sobre a única grande guerra na América do Sul. Ao transformar a esposa e mãe numa meretriz que saiu do bordel direto para o palácio do governo em Assunção, maculou-se o governante, atribuindo-lhe a pecha de marido de prostituta. As reprovações à ação pública do Ditador pareciam insuficientes para atingir o grande público; era necessário atacar a vida íntima. Ofensas à vida privada do tirano para pintá-lo como depravado, louco.

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Eva Braun que veio, na undécima hora, a se tornar frau Hitler foi vítima de fofocas de alcova que a detrataram para a história com o epíteto de Eva, amante de Adolf Hitler. A ela não se atribuiu atuação nas bordas inferiores da moralidade; não se disse que do demimonde saltou à condição de concubina de homem poderoso. Insignificante, "loura burra", alienada, foram os adjetivos mais frequentes. A sua trajetória pessoal representa a relação de Hitler com a Alemanha: sedução, do mínio, destruição. O tirano não poderia ter relação conjugal tépida, normal. Às monstruosidades da vida pública devem corresponder barbáries na vida privada.

Outra Eva encenou enredo diferente na Argentina, assumindo o papel de santa protetora dos descamisados. A juventude nebulosa em cabarés-teatro de Eva Duarte (Evita) sempre vem à tona quando se tenta desqualificar politicamente o seu marido, Perón. A terceira esposa de Perón, Isabelita, que veio a ser presidente, passou pelo demimonde portenho. Histórias folhetinescas com a sonoridade trágica do tango, mas sem relevância para a avaliação da errática política Argentina. Os vínculos conjugais de Perón não determinaram a lenta débâcle que tirou de Buenos Aires o ar europeu e a lançou no terceiro-mundo.

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A vida de casal de Margareth Tatcher, marcada por intensa paixão entre ela e Denis, nunca veio à luz para lançamento de pedras contra a honra pessoal do marido. Amante, depravado, frouxo, marionete. Os adversários políticos de Margareth não usaram a obliquidade para disparar críticas e reprovações. Quem sabe alguma coisa do cônjuge de Ângela Merkel ou de Dilma Rousseff? Bonitos, feios, se vestem bem, andam com quem? O ridículo óbvio dessa indagação denota a dose de machismo na visão mexeriqueira sobre as mulheres casadas com homens importantes.

Elisa Lynch sofreu as dores da calúnia do seu tempo; hoje, a sua luta para se afirmar como esposa, mãe de família, protagonista política, pode ser admirada sem que isso mude o julgamento a respeito de seu marido, Solano López.

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