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Friedmann Wendpap

Por que estamos lá?

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O incêndio que vitimou dois militares e destruiu a estação Comandante Ferraz na Antártida trouxe à lume a existência da base brasileira na qual se hospedavam cerca de 60 pessoas, entre pessoal de infraestrutura e cientistas. O fogo destruiu as instalações e a discussão sobre a incúria que ampliou a dimensão da tragédia está acirrada. É relevante apurar responsabilidades porque vidas foram perdidas, dinheiro público foi consumido e os destroços estão contaminando o ambiente frágil do Polo Sul, mas há questão preliminar que merece debate: por que os brasileiros estavam no fim do mundo?

Nosso território se esparrama 2.300 quilômetros pela linha do Equador e apenas 8% está em área subtropical. O país mais equatorial do planeta sofre tragédia no gelo! Esse contrassenso tem razão de ser. O Ártico é mar congelado, não há território, mas mesmo assim é objeto de intensas disputas territoriais entre russos, canadenses, norte-americanos, escandinavos, porque há riquezas minerais (petróleo) inexploradas. Os russos recentemente pediram à ONU o reconhecimento de que área do tamanho do Paraná seja acrescida ao seu território. A Antártida, cujo nome foi cunhado pelos gregos como lugar oposto ao ártico (antiártico), é terra imensa, quase o dobro do Brasil e plena de petróleo, carvão, ferro, ouro, água doce. O Polo Sul era lugar de aventureiros e pescadores de baleia, até que nos anos 50 a tecnologia permitiu a presença constante e a exploração mineral. Aí começou a discussão.

O Brasil, cochilando em sono tropical, no século 19 enviou apenas um navio para chegar ao Estreito de Drake, sem aportar e ocupar território. Diga-se, a opinião pública condenou dom Pedro II pela iniciativa. No cenário internacional da Guerra Fria os debates sobre apossamento de território foram resolvidos com o Tratado da Antártida pelo qual os pretendentes congelaram pro tempore as reivindicações territoriais, desmilitarizaram a região transformando-a em santuário ecológico e área de cooperação científica para pesquisas climáticas, geológicas, arqueológicas, ictiofauna e flora. Há poucos anos a validade do tratado foi prorrogada até 2059, sem que esse ou aquele povo estabeleça fronteiras e diga: é minha!

Acordando da nossa macunaímica preguiça que nos impedia de ocupar o interior do Brasil, começamos a marcar presença na terra do gelo. É verdade que a iniciativa não contou com apoio firme dos muitos governos que passaram, mas ainda assim conseguimos manter gente lá estudando e contribuindo para a formação de conhecimento que beneficia todo mundo. É por isso que estamos lá.

A rigor, não hasteamos nossa Bandeira para estabelecer marcos de posse territorial, mas para ter autoridade de dizer que a melhor postura é ver a Antártida como res omnium, coisa de todos, patrimônio da humanidade, insusceptível à apropriação e exploração.

O paraíso idealizado por povos do deserto é verde, cortado por rios de água, mel, iogurte. Talvez o verdadeiro seja imensidão branca de machucar os olhos, com ventos de 70 graus negativos e sem a presença de Adão e Eva.

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