"A lei enfrenta a especulação, a usura contra a família venezuelana." Palavras de chavista graduado que servem de epitáfio para a morte econômica da Venezuela diante do poder do governo para determinar o preço de automóveis e motos novos e usados com até dez anos. O preço público será alcançado mediante a ponderação do custo dos insumos, mão de obra e rentabilidade das montadoras para os novos; os usados, pelas condições de conservação e ano do veículo.
Prisão para quem anunciar, vender e até para notários que registrem a negociação por preço acima da regulação. A negociação de uma moto velha pode dar cadeia se o preço estiver fora da tabela do governo. Fácil imaginar o clima de desconfiança que grassará nas relações particulares: o comprador disposto a pagar acima da tabela, o vendedor querendo o dinheiro, e os dois com medo recíproco de uma cilada. Certamente os pagamentos se desdobrarão na parte visível ao governo e em outra parte "não contabilizada".
No Brasil, uma moto pequena, com dez anos, vale uns R$ 1 mil. Parece coisa de hospício movimentar a paquidérmica burocracia pública para meter o bedelho em tal miudeza. É insano, mas na Venezuela não há possibilidade de mudar a direção antes do abismo porque o governo não se vê como mais um, mas como La Revolución onisciente e apta a controlar todas as variáveis. Quem pensa ser Deus se considera infalível, leva a imbecilidade até o fim e põe a culpa nos outros. Em menor intensidade, essa ignorância militante está destroçando a Argentina.
A escassez de carros novos na Venezuela ocorre, segundo o governo, por cobiça das montadoras, não porque a economia está desarrumada, porque a importação de componentes está emperrada ou porque as empresas, inseguras quanto à sobrevivência, se retraem. Os usados encarecem por cupidez dos proprietários. Conspiração, maldade, ganância, oposição ao povo. Fácil manipular sentimentos primários para justificar o controle de preços. Só falta exorcizar, ao vivo na tevê, o galpão de uma fábrica para que os maus espíritos capitalistas se afastem e as máquinas e operários comecem a produzir caridosamente.
Já vimos esse filme nos congelamentos de preço, tablitas, tabelas de conversão, mercado paralelo de itens básicos, fechamento de mercados, Polícia Federal laçando boi no pasto para garantir a oferta de carne ao preço oficial. Não chegamos à destruição da capacidade produtiva e comercial dos brasileiros porque o sistema político tinha flexibilidade para mudar de rota a tempo. Mas passamos perto do perau o suficiente para ter medo dessas "pajelanças" ao estilo Sarney e Collor.
No congelamento de preços do Plano Cruzado, carro usado custava mais que novo. Óbvia a propina ao vendedor para furar a fila do novo. A "mão boba" do governo enlouqueceu a economia, invertendo a lógica de que o vendedor deve cativar o comprador. Na Venezuela, hoje, carro recém-saído da concessionária custa 50% mais que o novo!
O empobrecimento e a perda da capacidade de produzir se acentuarão porque a política, assunto de pessoas falíveis, passou a ser revelação do messias falecido. Padecendo de anemia política e econômica crônica, a Venezuela se arrastará por décadas sob o mito do chavismo, a exemplo do peronismo na Argentina.