Há dias meu caçula contou que, ao assumir novo posto de trabalho, precisou acessar o computador e ninguém sabia a senha. A pergunta de segurança para que o provedor enviasse a senha era: “Qual o nome do velhinho barbudo?” Papai Noel, respondeu o meu filho; homem feito, porém pouco afeito a bizarrices ideológicas. Óbvio, a senha não veio. Após muito esforço, descobriu que a resposta para a pergunta-chave era “Marx”.
Incrivelmente, a América católica ainda se vê às voltas com militância marxista-gramsciana. A dobradinha está nas escolas, campos, construções, com fiéis fundamentalistas ou não, quase todos ungidos da revelação. Fervorosos, pregam a boa-nova da salvação e, sem entender a argumentação, têm em Marx o mito do Papai Noel que distribui riquezas sem conexão entre o capital produtivo e o trabalho.
Aí me dizem: tu não é marxista. Por quê? Ora, porque eu li. Se apedeuta das teses marxo-engelianas, talvez fosse marxista. Li, cogitei marxologia, mas ao alargar horizontes percebi que se trata de ideias do século 19, em alinhamento com o pensamento positivista da época. Smith, Ricardo, Bentham, Marx/Engels, Mills, Keynes devem ser estudados. Focar dois autores de estreita mundivisão limitaria demais o pensamento. Mais do que isso, Raymond Aron – marxólogo assumidamente não marxista – exauriu o assunto.
Como, depois do nazismo, do stalinismo, do maoísmo, adjetivar um partido político de socialista?
A epistemologia incipiente daqueles idos começava a distinção entre pensamento científico e misticismo. O destino saía das mãos da metafísica e passava para as leis da natureza a serem descobertas pelo método criterioso da ciência. Marx e Engels imaginaram haver elucidado as leis da história e que tinham conhecimento suficiente para dizer como seria o porvir. Pretensiosos, propuseram a engenharia social que julgavam adequada a esse fluxo inevitável. Desconsideram a contingência, acaso, personalidades fortes, avanços tecnológicos. A execução de projeto ruim gerou construção desastrosa, como a União Soviética e similares.
A percepção política do dueto era carregada de preconceitos sobre a natureza humana e de discriminação em relação a povos. Acreditavam na percepção vulgar de que o bon sauvage era factual e que os comportamentos violentos decorriam exclusivamente das circunstâncias capitalistas, não da química entre a índole das pessoas e o ambiente. Discriminaram povos, denominando bretões, bascos, sérvios, escoceses de “lixo racial”, e propuseram genocídio. Discípulos da dupla foram campeões de homicídios em escala industrial, a exemplo do Holodomor que vitimou ucranianos.
Hitler também se rotulava adepto de Marx, em vertente nacionalista distinta do internacionalismo soviético, tanto que seu partido se chamava Nacional-Socialista. Como, depois do nazismo, do stalinismo, do maoísmo, adjetivar um partido político de socialista?
A colônia remanesce entranhada na nossa cultura. O atraso intelectual faz das universidades e partidos políticos redutos do conservadorismo. Pretextando progresso político, impedem o devir científico, mantendo os debates presos ao passado. Ser marxista, depois de tudo o que o mundo viveu, é ser reacionário, ter utopia do pretérito como guia para o futuro. Ato de fé, não de ciência.
Let it be, com uma palhinha de rock’n’roll, ouvindo sussurros de sabedoria na escadaria do paraíso, à espera do Papai Noel.
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