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O sertão quer o mar

 | Felipe Lima
(Foto: Felipe Lima)

A Corte Internacional de Justiça afirmou a sua competência para julgar a demanda apresentada pela Bolívia contra o Chile, em 2013, que versa sobre acesso soberano ao mar. Na chamada Guerra do Pacífico, entre 1879 e 1884, o Chile tomou áreas litorâneas da Bolívia e do Peru, anexando-as ao seu território. A Bolívia passou a fazer companhia ao Paraguai na condição de Estado encravado; o par da América do Sul.

Para compreender a ubicação histórica, relevante lembrar que a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai teve entre suas causas o acesso soberano ao mar. Cadáveres insepultos ainda coalhavam as margens dos tributários da Bacia do Prata e outro fratricídio eclodiu com motivações que trazem pontos de tangência entre os dois eventos. A discórdia incrementou cemitérios também por aqui.

As elites políticas de Chile, Peru, Bolívia e Argentina foram títeres de sua própria mediocridade

Sempre surge alguém para dizer que os hermanos guerrearam porque a cobiça de pérfidos capitalistas ingleses, interessados nas riquezas naturais, provocou a guerra. A pretensa inteligência dessa interpretação reduz os latinos a fantoches. Humilha as pessoas envolvidas, reduzindo-as a luvas de pano vestidas pelas mãos hábeis de europeus espertos. Pretextando dizer que os políticos dos países envolvidos não têm culpa pelas atrocidades bélicas, essa linha da “teoria da conspiração” os infantiliza e, de certa forma, põe todos os latino-americanos como bebês incapazes de decidir e responder pelos próprios atos.

As elites políticas de Chile, Peru, Bolívia e Argentina foram títeres de sua própria mediocridade, pleonexia, megalomania. O dinheiro de empresas de capital inglês que exploravam minérios no território objeto da lide comprou consciências venais, mas não foi a causa da venalidade. Assim, assumindo os ônus e bônus das atitudes de cada Estado envolvido nas ações bélicas, o tema do acesso da Bolívia ao mar pode ser discutido de modo menos passional.

A Bolívia pediu declaração judicial da obrigação do Chile a negociar de boa-fé e rapidamente o acesso soberano ao Pacífico. Preliminarmente, o Chile recusou a jurisdição da Corte Internacional de Justiça, alegando que o tema estava resolvido por avença em 1904. Contudo, a Corte entendeu que o assunto não estava apaziguado, apesar do longo lapso, e com fulcro no artigo 31 do Tratado Americano de Soluções Pacíficas, chamado de Pacto de Bogotá, firmado em 1948, decidiu pela submissão do Chile à sua jurisdição, prescindindo de aceitação específica para o caso.

Quando a corte julgar o mérito, talvez diga que o Chile tem a obrigação de negociar. Não haverá sentença dizendo que a Bolívia tem direito a acesso soberano ao mar. A pendenga vai remanescer.

Pensando de modo político se percebe o problema: se o Chile ceder território à Bolívia, deverá fazê-lo também ao Peru. O que pensariam os chilenos sobre políticos que entregassem o Atacama?

Ex facto oritur jus. Do fato nasce o direito. O usucapião está calcado nesse raciocínio. A estabilização das relações exige pragmatismo. A Bolívia perdeu a guerra há 130 anos. Soberania é capacidade de impor a vontade, ainda que à força. Inexistindo essa potência, ou sendo inconveniente e inoportuno seu uso, melhor atuar para garantir vias comerciais ao oceano.

A parceria econômica é mais benéfica do que a belicosidade soberana.

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