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Friedmann Wendpap

Quem precisa de ídolos?

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A apoteose do finado rei da Coreia do Norte trouxe à memória as aulas de história sobre mo­­narcas da Antiguidade que se acreditavam deuses e exigiam subserviência absoluta dos súditos, meros humanos. Milhões de coreanos chorando copiosamente são mais que atores em excelente encenação; eles vivenciam intensamente a inferioridade e lamentam a perda do Pai Divinal dos Povos, sentem-se órfãos. Kim Jong-il é apenas um dos "guias celestiais" de países que se autointitulam socialistas. Lênin foi embalsamado e o corpo ficou décadas exposto numa urna de vidro em local que parecia capela de ex-votos de romaria. Stalin, Mao Tse Tung, Pol Pot do Khmer Rouge confirmaram a regra da idolatria. Fidel, fundador da dinastia Castro, passou o trono para o irmão quando a senilidade o inviabilizou para discursar por horas a plateias apalermadas pelo medo e acomodação.

Boas teses dispensam líderes hiperbólicos porque são capazes de caminhar com as próprias pernas, obtendo apoio de gente comum. A mobilização pela de­­mocracia no Brasil nos anos 80 tinha várias lideranças e, num determinado momento, houve concentração na pessoa de Tancredo Neves. Falecido quase no ato da investidura da Pre­­sidência da República, foi sucedido pelo vice. O processo, a despeito das notórias fragilidades políticas e éticas de José Sarney, manteve curso. A toda evidência, a ideia era muito boa e en­­contrava ressonância nos sentimentos da população sem necessidade de doutrinação ideológica diária, ao estilo de lavagem cerebral. Mandela liderou a materialização de bom ideário político e foi para casa na hora certa, tanto que a África do Sul percorre a trilha do desenvolvimento e da paz presidida por outras pessoas.

Os projetos políticos que dependem do "prendo e arrebento" para a implementação padecem de artificialidade, de falta de aderência à natureza humana porque partem de premissas falsas, a exemplo do bom selvagem de Rousseau que teria sido corrompido pela forma de organização social. Sofismáticos, causam muito sofrimento. Se o socialismo bolivariano fosse bom, prescindiria de líder carismático que ocupa todos os espaços da mídia várias horas por dia, invadindo os lares com propaganda e vigilância ideológica para descobrir quem pensa de modo diferente do mantra oficial, similarmente ao fascismo.

Por que a democracia dispensa a idolatria e o socialismo, que tem pretensão de cientificidade, não? Como pode ideologia reputada científica depender de carisma, algo absolutamente subjetivo e aleatório? A democracia ateniense se protegia dos carismáticos com o ostracismo forçado por dez anos. As modernas, com prazo certo para o exercício do poder.

As democracias modernas foram construídas a muitas mãos, são obra coletiva porque partem do pressuposto da pluralidade de pensamento em dissenso civilizado. Se há diversidade de pensamento, por óbvio, há muitas pessoas aptas à condução das atividades de implementação das ideias. Na democracia, todos são comuns do berço ao túmulo. Ninguém é dotado de dons que o elevem acima das demais pessoas e tornem justa a subserviência lacrimosa. Boas ideias são impessoais, não dependem de um Duce para transformar a realidade.

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