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Eurotimistas sonham com os Estados Unidos da Europa, aptos a retomar a condição de protagonista da história do planeta. Europessismistas acham que acabou algo que nem começou de fato. Eurocéticos acham que a coisa está enroscada, mas é possível manter a linha de aproximação desenhada por Jean Monnet e executada por Schumann e Adenauer logo no pós-guerra. Para balizar a análise, insta dizer que não existe União Europeia no sentido de estado federal. Há projeto de longa maturação para sucessivas aproximações até a consolidação de pacto federativo. Assim, é nome do projeto, não do objeto hoje existente. A rigor, há objeto jurídico não identificado porque é quase federação no aspecto judiciário – o Tribunal Europeu toma decisões válidas para todos os Estados – e mera aliança conjuntural quanto ao uso de soldados em ações externas.

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Houve duas tentativas de aprovar texto constitutivo da União, uma constituição federal. Ambas foram rejeitadas pelo voto do povo de algum dos países. Ora, a aliança que se deseja é toda delicada, politicamente correta, não pode ser alcançada por blitzkrieg ou pela restauração do Império Romano, como sonhava Mussolini. Aliás, a Europa já foi Estado unificado entre 100 AC e 400 DC, aproximadamente, com sede em Roma. Por causa disso escrevo esta análise em idioma neolatino e não em celta. A inexistência de constituição federal é ponto para os pessimistas.

O euro foi precedido de regras comuns sobre a responsabilidade fiscal, especialmente os limites de déficit anual. A Grécia – imitando a Argentina e o Brasil – fraudou números públicos, dando a aparência de que estava superavitária enquanto a dívida pública explodia. A bancarrota veio, como se vê. Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (Spain, em inglês) passaram a ser denominadas pelo acrônimo Piigs, com tom pejorativo de quem fez porcaria. A riqueza da Alemanha não se espalhou magicamente para a ensolarada franja mediterrânea, onde o sol dá leseira. Alemão trabalhando, latino festejando. La festa è finita. A moeda única, federativa, corre o risco de se tornar germânica, não europeia. Ponto para o pessimismo.

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O Reino Unido cogita plebiscito para decidir a permanência ou retirada dos tratados que têm conteúdo federativo. É de lembrar que não participam do euro, do espaço Schengen, resistem à unificação de pesos e medidas e não gostam do hálito de cebola dos franceses. "Neblina no Canal da Mancha: continente isolado." Essa lendária manchete de jornal londrino retrata, com humor fleumático, o sentimento de que a ilha é separada da Europa, suas guerras e pazes. Se os súditos da rainha falarem sobre o tema, pessimistas ganhando o jogo farão olas.

Otimismo e ingenuidade caminham pari passu. Otimista no pensamento, cético na ação, dizia um intelectual italiano desde o cárcere. Ceticamente, talvez nunca exista a União da Europa como pessoa jurídica de direito público e o oceano de tinta gasto nos livros jurídicos sobre o Direito Comunitário evapore no calor dos fatos. Os 68 anos sem belicosidade interna são resultado precioso da agregação, porém insuficiente para impedir divórcios que se avizinham.

O que a política uniu, o povo separa.

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