Há mais de vinte anos eu não jogava uma partida de futebol. Resolvi "entrar em campo", sem nenhum preparo, neste final de semana, durante um piquenique com amigos, com a intenção de me exibir para a minha mulher Rosângela e o meu filhinho Pedro, que estavam assistindo a tudo.

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O resultado foi patético. Em menos de cinco minutos, comecei a sentir tonturas, dificuldade para respirar e taquicardia. Caí sozinho no gramado do Monumento à Bíblia. Em toda minha vida, nunca cheguei tão perto de um desmaio. Esclarecimento: só havia bebido água.

Rapidamente todos me acudiram. Quando o amigo Diego perguntou se eu estava bem, lembrei-me de uma crônica de Décio de Almeida Prado, em que o autor descreve a queda de um jogador veterano no Pacaembu. Se não me engano, a frase antológica é mais ou menos assim: "Caiu um atleta, levantou-se um senhor". A diferença é que eu nunca fui atleta...

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No gramado em frente ao Pacaembu, há mais de trinta e cinco anos, salvei-me por pouco de um acidente de carro, graças a uns pedaços de peixe que estavam espalhados no chão. Incomodado pelo mau cheiro, sugeri à minha irmã que fôssemos brincar de bola um pouco mais adiante. Menos de cinco minutos depois, o motorista de um Fusca perdeu a direção; o carro veio capotando pelo gramado e parou exatamente no lugar onde estávamos antes.

Um dia antes da minha fracassada tentativa de voltar ao mundo do futebol, um professor mencionou a origem comum das palavras humilhação, humildade e humano. Todas vêm de húmus, a terra que nos moldou e futuramente nos receberá de volta. Minha queda serviu para mostrar que a humildade – a humildade verdadeira, não a afetação de modéstia –, mais até mesmo do que a coragem, está na base de todas as outras virtudes.

A vertigem da queda não foi um simples acaso. Às vezes é preciso cair no chão e sentir o gosto do húmus para lembrar que somos apenas um sopro. Entre os amigos que me acudiam, havia também o vulto de um jovem desconhecido – um rapaz de 20 e poucos anos estranhamente parecido comigo. Rosângela veio me oferecer um copo d’água, e o moço desapareceu.

Vinte anos atrás, quando não deixei aquele rapaz nascer, eu nem imaginava que um dia poderia ser o marido da Rosângela e o pai do Pedro. Acreditava que a terra, e somente ela, era o ponto final de toda a existência. Hoje eu sei que o sopro persistirá depois que o corpo cair definitivamente. Hoje eu também sei que o acontecimento central da minha vida foi aquela tarde no gramado do Pacaembu, quando os peixes me salvaram. Perdão, filho.

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