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paulo briguet

O escritor que não é de esquerda

Um homem teve a infância marcada por doenças e dores lancinantes. Não se achava que ele sobreviveria; no entanto, conseguiu chegar à idade adulta e se tornar um importante neurocirurgião. Na infância, quando lhe perguntavam o que desejava ser quando crescesse, ele sempre respondia: “Quero ser médico”. “E por quê?” “Para que as outras crianças não sofram como eu.”

Para que os outros não sofram: eis a principal razão que me levou a ser escritor. Desconfio que é impossível exercer com dignidade o ofício das letras sem uma forte base de compaixão. Por isso, a minha maior alegria na vida de escritor é encontrar alguém que me diga: “Você conseguiu dizer aquilo que estou sentindo!”

O maior escritor brasileiro em atividade, Olavo de Carvalho, costuma dizer que o seu principal objetivo é mostrar às pessoas o que elas próprias estão pensando e sentindo. Quando o escritor consegue traduzir, em algumas linhas, o sentimento ou o pensamento dos indivíduos, pode-se dizer que teve um bom dia de trabalho.

Todo escritor, na essência, é um conservador, tendo em vista que protege e fortalece os valores essenciais da vida humana e da civilização. Um dos deveres do autor literário é resgatar o sentido da linguagem. Quando disseram a Guimarães Rosa que ele era um revolucionário das palavras, o autor de Sagarana respondeu que, pelo contrário, era um reacionário das palavras, no sentido de que lhes devolvia o sentido original. O mesmo poderia ser dito sobre outro grande escritor brasileiro, Euclides da Cunha. Ambos, Rosa e Euclides, resgataram o sentido da palavra “Sertão” para a eternidade. Os escritores contemporâneos precisam fazer o mesmo com palavras como Justiça, Ética, Amor, Cidadania, Democracia, Povo e Deus.

Ser conservador é lutar contra o relativismo. Ser conservador é amar e proteger a verdade

Entre os meus principais modelos de escritor estão T.S. Eliot, Manuel Bandeira, Gustavo Corção e Nelson Rodrigues. Não por acaso, autores conservadores. Em diferentes momentos da vida, todos eles foram atacados pelo simples motivo de que não eram autores de esquerda e não comungavam com a ideologia revolucionária. Igual repulsa despertam hoje autores como o já citado Olavo de Carvalho, Rodrigo Gurgel, Alexandre Borges, Percival Puggina, Bruno Garschagen, Flávio Morgenstern, Martim Vasques da Cunha, Karleno Bocarro, Érico Nogueira, Yuri Vieira e o saudoso Bruno Tolentino. São odiados porque não se ajoelham no altar da esquerda. Não receberão prêmios literários, não ganharão coberturas nos grandes jornais de São Paulo e Rio, não serão convidados a participar de badaladas feiras literárias. Melhor para nós: aproveitarão o tempo escrevendo.

Há alguns anos, Mario Vargas Llosa falou sobre a perseguição sofrida pelos escritores que não são de esquerda. Segundo o ganhador do Nobel, muitos escritores afirmam ser esquerdistas simplesmente para serem deixados em paz. A situação é ainda pior nas universidades, sobretudo nos cursos de humanas. Roger Scruton descreve à perfeição o que ocorre nos centros de estudos literários e humanísticos: “O espírito do livre exame está, agora, desaparecendo das escolas e universidades no Ocidente. Livros são inseridos ou retirados do currículo com base no politicamente correto; códigos de fala e serviços públicos de aconselhamento policiam a linguagem e a conduta de estudantes e professores. (...) Um tema único perpassa as Humanidades do modo como são, com frequência, ensinadas nas universidades: a ilegitimidade da civilização ocidental”.

Para ser vítima dessa ditadura cultural, volto a dizer, o escritor não precisa necessariamente ser conservador ou direitista: basta que ele não aceite os clichês da esquerda, do multiculturalismo ou dos movimentos sociais. Um exemplo é Michel Houellebecq, autor do excelente romance Submissão, em que se imagina a França governada por um partido islâmico. Houellebecq foi atacado por um chefão socialista numa recente entrevista, antes dos atentados em Paris: “Ele é um idiota político e tem problemas com o álcool”. A coisa é daí para baixo.

O romancista F. Scott Fitzgerald já havia descoberto esse modus operandi nos anos 30, a ponto de declarar: “O importante é que não se discuta com os militantes. Não importa o que você diz, eles possuem mil maneiras de distorcer suas palavras e rebaixá-lo a alguma categoria inferior de ser humano: ‘fascista’, ‘liberal’, ‘trotskista’, desqualificando-o tanto intelectualmente quanto pessoalmente no processo”.

O escritor deve ter um fundamental compromisso com a verdade. Portanto, um de seus maiores inimigos é apontado por outro grande autor de nosso tempo, o papa emérito Bento XVI. Trata-se do relativismo. É a ideia de que não há a verdade, apenas “verdades”, sempre de acordo com o ponto de vista e a conveniência política.

Ser conservador é lutar contra o relativismo. Ser conservador é amar e proteger a verdade. Ser conservador não implica nenhum tipo de compromisso com o erro ou com as injustiças. Todos nós queremos mudanças na sociedade. Se você quer mudanças reais, comece por prestar atenção ao conservadorismo – na política, na cultura, na religião. Você verá, pelos exemplos históricos, que só os conservadores são capazes de promover as transformações necessárias, e até mesmo revolucionárias, sem comprometer os nossos valores mais importantes. A própria evolução científica e tecnológica só é possível por meio da mentalidade conservadora, que ama e protege o bom, o justo, o belo, o comprovado pelo teste do tempo e das gerações. Em outras palavras, só o conservadorismo não joga fora o bebê junto com a água da bacia.

Tal superioridade do conservadorismo explica por que o escritor não esquerdista é tão odiado. Ele só escapará ao rancor dos militantes se tiver passado desta para melhor. Só os mortos têm o direito de não ser de esquerda. Diante de um texto conservador, por melhor que seja, o esquerdista padrão diz sentir saudades de José Guilherme Merquior, Paulo Francis, Gilberto Freyre ou Nelson Rodrigues. “Esses, sim, eram reaças inteligentes!”, bradam. Chato é que lembrar o que os mesmos esquerdistas falavam quando Merquior, Francis, Freyre e Nelson eram vivos.

Hoje o escritor brasileiro não esquerdista vive uma espécie de exílio interno, refugiado em ilhas de liberdade como esta Gazeta do Povo e alguns outros raros jornais e sites. Contudo, é um exílio estranho, pois estamos na companhia de 90% da população brasileira, que tem princípios conservadores e cristãos, além de odiar o PT e tudo que ele representa. Tem alguma dúvida? Grite “Viva Lula!” ou “Viva Dilma!” em algum local bem movimentado e veja o que acontece.

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