Dia desses presenciei uma cena lamentável, para dizer o mínimo. Um ciclista foi fechado pela condutora de um automóvel e ficou bravo. Começou a xingá-la. Mas não era um xingamento automático, desses que são comuns no calor do trânsito. O homem perseguiu a motorista, que trafegava em baixa velocidade, gritando várias vezes a pior ofensa que se pode fazer a uma mulher. Não vi a suposta barbeiragem da motorista, mas tenho certeza de que as ofensas do sujeito foram desproporcionais em relação ao erro cometido pela mulher.

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Aquele ciclista é um personagem cada vez mais comum em nosso tempo: a vítima profissional. O sujeito que não apenas quer reparar a injustiça que sofreu (ou supõe ter sofrido), mas deseja vingar-se exemplarmente de quem considera culpado.

A vítima profissional adora computador. É o valentão de internet: aquele cara que adora fazer ofensas e xingamentos virtuais e, diante da reação dos ofendidos, sai gritando só com maiúsculas: "FASCISTA!" Quando tem um comentário apagado, berra: "CENSURA!" Permite-se cometer todos os tipos de agressão e calúnia. Mas, quando ouve uma resposta franca, faz beicinho de mimimi e reclama que está sendo perseguido. Às vezes, pede – exige! – uma polpuda indenização.

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Um dos grandes males provocados pelos caçadores de bodes expiatórios é o abandono das verdadeiras vítimas. O transtorno causado pelo ciclista boca-suja pode levar à falsa conclusão de que todos os ciclistas são iguais a ele. É o mesmo mal que um traficante de drogas com "sensibilidade social" causa à imagem dos moradores de uma favela; é o mesmo prejuízo que um comentarista chapa-branca e venal causa ao trabalho dos repórteres independentes e sérios.

Em quase todos os casos, a vítima profissional adota o ideário "politicamente correto". Esse termo é uma contradição em si mesmo, pois a política, no sentido mais elevado, pressupõe a coexistência de opiniões, pensamentos e visões de mundo diferentes. Se apenas um ideário é considerado correto, não há política – há ditadura de opinião. O professor Carlos Ramalhete, meu brilhante colega de coluna, sabe muito bem o que é isso. Já foi bombardeado maciçamente por não compartilhar a opinião "correta".

O pior é que as vítimas profissionais chegaram ao poder – e não pretendem deixá-lo. O que são as trajetórias de Lula, José Dirceu e José Genoíno – só para ficar em três exemplos mais evidentes – senão um longo e constantemente realimentado processo de autovitimização? O mensalão é apenas um exemplo do que podem fazer as vítimas profissionais quando dominam o aparelho do Estado. Tornam-se mais perigosas que o ciclista boca-suja.