| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Na noite de quinta-feira, um grupo de mascarados invadiu o Prédio Histórico da UFPR, na Praça Santos Andrade, intimidando alunos, professores e funcionários, chegando inclusive a ameaçar e agredir alguns deles, de acordo com relatos de quem estava no local; em outros casos, os invasores impediram os demais de sair do prédio, mantendo-os contra a vontade dentro das instalações da UFPR. Os motivos são os já conhecidos: a PEC do Teto de Gastos e a medida provisória da reforma do ensino médio.

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As cenas da invasão chocaram os paranaenses, mas as sementes do ato na UFPR já estavam plantadas havia várias semanas, e com a conivência de muitos que agora se dizem perplexos. No início de outubro, pequenos grupos de estudantes se julgaram os porta-vozes de toda uma comunidade escolar e resolveram impedir os direitos alheios – o direito de trabalhar, no caso dos professores e funcionários; e o direito à educação, no caso dos alunos. Tomaram conta de várias escolas, paralisando as atividades docentes. E, quando se formaram movimentos de pais preocupados com o que ocorria dentro dos colégios, esse mesmo grupo ainda se autoatribuiu o poder de decidir quem poderia entrar e quem ficaria de fora. Não houve agressões nem quebra-quebra, mas mesmo assim tratou-se de um movimento autoritário desde o seu início – por mais nobre que fosse o desejo desses jovens de colocar seu idealismo em prática, envolvendo-se no debate sobre a reforma do ensino médio.

A natureza e os objetivos de ambas as ações – nas escolas estaduais e na UFPR – são exatamente os mesmos

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E a resposta que esse movimento recebeu, em sua grande maioria, oscilou entre a omissão e o apoio. Para muitos, os estudantes estariam apenas exercendo seu direito democrático à manifestação. Eles eram motivo de orgulho, chegou a escrever a senadora Gleisi Hoffmann (PT). Conselheiros tutelares tomaram o lado dos manifestantes e os ajudaram a impedir os pais de entrar nas escolas tomadas pelo movimento. Reintegrações de posse foram negadas (só passaram a ser concedidas posteriormente). Os líderes dos protestos se tornaram estrelas, viralizando na internet e discursando em Brasília.

Só um acontecimento trágico – a morte de um estudante de 16 anos dentro de uma escola em Curitiba – quebrou o torpor, e ainda assim apenas parcialmente. Entidades importantes passaram a se posicionar e a pedir a liberação das escolas, mas sem deixar evidente o caráter antidemocrático do movimento. Faltou a certeza de que, como expusemos em editorial no último fim de semana, “a democracia pressupõe a convicção de que há direitos que não podem ser limitados pelos outros”, e de que “nem mesmo a absoluta nobreza de uma ideia justifica que se tente fazê-la valer pela força ou pela marra, sem diálogo e prescindindo dos canais institucionais”. Como tanta gente pôde perder isso de vista?

Ora, quando se tolera ou até se defende esse tipo de situação, quando se considera legítimo que um pequeno grupo se aproprie de uma escola inteira, prejudicando toda uma comunidade com a interrupção das aulas, quando não se percebe o risco antidemocrático que está embutido no próprio DNA desses protestos, as consequências mais graves não tardam a chegar. À medida que o movimento dos estudantes secundaristas é enfraquecido com decisões de reintegração de posse, a turma para quem os fins justificam os meios percebe que a via pacífica pode não ser suficiente, e julga que é chegado o momento de fazer algo mais para chamar a atenção.

A verdade é que a natureza e os objetivos de ambas as ações – nas escolas estaduais e na UFPR – são exatamente os mesmos: em uma postura autoritária, um pequeno grupo se concedeu o poder de decidir suprimir os direitos dos demais. Vítimas do déficit democrático de que falamos dias atrás, muitos paranaenses não perceberam o ovo da serpente escondido no protesto secundarista. Pois o ovo eclodiu agora, com a mudança nos métodos usados pelos manifestantes. E quanto mais legitimidade se lhes concede mesmo diante de circunstâncias como as da invasão do Prédio Histórico, maior é a confusão conceitual que toma conta da sociedade e da qual se aproveitam os adversários da democracia.

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