A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, personificou a responsabilidade e celeridade que todos esperamos da Justiça brasileira e não quis deixar a Operação Lava Jato esperando: no fim do recesso, homologou ela mesma as quase 80 delações premiadas de executivos da Odebrecht, fazendo uso de uma prerrogativa que lhe é garantida pelo regimento interno da corte. E, na segunda sessão do STF em 2017, já definiu o novo relator dos processos da Lava Jato envolvendo detentores de foro privilegiado, sem esperar a nomeação do substituto de Teori Zavascki, morto em acidente aéreo – outra possibilidade prevista no regimento. O sorteio entre os integrantes da Segunda Turma da corte contou com um reforço: Edson Fachin pediu transferência da Primeira Turma, e acabou sendo justamente ele o contemplado.
Para além da curiosidade de se fechar um “circuito paranaense” na Lava Jato – formado pelo juiz Sergio Moro na primeira instância, Fachin no STF e outros dois relatores, João Pedro Gebran no TRF4 e Félix Fischer no STJ, o que chama a atenção para a qualidade da comunidade jurídica local –, a nova tarefa de Fachin permitirá que o país todo preste mais atenção ao perfil técnico, competente e discreto que levou o então professor da UFPR a ter seu nome endossado não só dentro do meio jurídico, mas também pela bancada paranaense no Congresso, independentemente de filiação partidária. Um perfil que se reflete em algumas decisões específicas que nos dão pistas sobre como deve se portar o novo relator da Lava Jato.
A nova tarefa de Fachin permitirá que o país todo preste mais atenção a seu perfil técnico, competente e discreto
Durante o impeachment de Dilma Rousseff, a então situação aproveitou toda oportunidade possível para tentar travar o processo no STF. Lá, Fachin demonstrou aquele saudável respeito pela separação de poderes que esperamos da corte suprema, colocando-se a favor da soberania do Congresso Nacional e rejeitando liminares pedidas pela Advocacia-Geral da União. Fachin ainda defendeu a obrigatoriedade de o Senado realizar o julgamento da presidente caso a Câmara votasse pela admissibilidade do processo, respeitando o trabalho dos deputados – neste caso, foi voto vencido: o Supremo decidiu (equivocadamente) que o Senado deveria realizar uma votação própria sobre a abertura do processo.
Fachin também foi relator de uma ação penal contra o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), em que o senador era denunciado por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. Fachin defendeu o recebimento da denúncia e, por oito votos a três, Renan se tornou réu. O ministro ainda acompanhou Marco Aurélio Mello e defendeu que Renan fosse afastado da presidência do Senado, a partir do entendimento de que um réu não poderia estar na linha sucessória da Presidência da República. Ainda que discordemos desta interpretação, não se pode negar que, neste caso, o ministro adotou a postura mais severa. E também não se pode ignorar o voto de Fachin em favor do início do cumprimento da pena com a condenação em segunda instância.
Só pesa contra Fachin o fato de, apesar da memorável carreira construída no Direito Civil e na docência, faltar-lhe experiência na área penal – mas, de qualquer forma, entre os “sorteáveis” para a relatoria não havia nenhum penalista de origem, e apenas Ricardo Lewandowski teve experiência prévia na magistratura antes de ir para o STF. Além disso, essa deficiência pode ser tranquilamente suprida caso Fachin trabalhe com assessores que sejam grandes conhecedores das sutilezas do processo penal e já conheçam a fundo a Lava Jato – aqui, lamenta-se a saída do juiz Márcio Fontes, que era considerado o braço direito de Teori Zavascki e pediu para deixar suas funções após a conclusão do trabalho com as delações premiadas da Odebrecht.
Nos processos envolvendo grandes figuras da República que chegaram às mãos de Fachin, o ministro demonstrou rigor e integridade. À frente do que pode superar o mensalão como o maior julgamento da história brasileira por crimes de corrupção, Fachin tem tudo para dar um belo exemplo ao Brasil.
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