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editorial

Lula, o oportunista

“Dilma é Lula. Lula é Dilma.” A frase esteve na boca da militância por muito tempo, deixando clara a identificação profunda entre criador e criatura. Mas ultimamente o ex-presidente não gosta muito de relembrar o bordão, a julgar por declarações recentes de Lula, tanto em um encontro com líderes religiosos chapa-branca, quanto em um evento no Instituto Lula. Movimento, claro, guiado pela esperteza política e pelo oportunismo.

Diante de padres e outros líderes religiosos, na quinta-feira passada, dia 18, Lula fez o papel de penitente arrependido. Como num confessionário não fica bem elencar apenas os pecados alheios, o ex-presidente até deixou escapar um “eu estou no volume morto”; mas, fiel à convicção de que é um homem imaculado (como havia dito em Roma, nos funerais de João Paulo II, em 2005), passou logo a desfiar um rosário de críticas à sua sucessora. Dilma é teimosa. Dilma não ouve Lula. Dilma não viaja. Dilma não fala. Dilma não dá boas notícias. Dilma perdeu a conexão com os movimentos sociais. Dilma não abraça, não pega na mão das pessoas. Dilma só recebe grã-finos. A ladainha lulista não tinha fim, e o ex-presidente era muito bem acolitado pelo ex-ministro Gilberto Carvalho, a quem cabia dizer o amém a todas as reclamações de Lula.

Poucos dias depois, no Instituto Lula, o ex-presidente foi convidado a falar pelo ex-premiê espanhol Felipe González, estrela do evento de segunda-feira, dia 22. De improviso, voltou a disparar críticas, desta vez contra o próprio partido, o PT. Os petistas “perderam a utopia”, só se preocupam com os cargos e com a próxima eleição. “Não sei se o defeito é nosso ou se é do governo”, afirmou, usando aquele “nós” não como plural majestático, mas como tentativa retórica de criar empatia ao se incluir entre os que teriam “perdido a utopia” – uma culpa que certamente Lula não crê carregar.

Diante do caos, Lula finge que não é com ele. O ex-presidente aposta na memória fraca do petista e do brasileiro

Claro, trata-se de um navio fácil de abandonar. A popularidade de Dilma está em níveis alarmantemente baixos, independentemente de classe social, escolaridade e região. Até em redutos históricos do petismo o apoio a Dilma está minguando. O país está estagnado, e o próprio Banco Central já fala em queda de 1% no PIB em 2015, conjugada com inflação de 9%. O desemprego, que é praticamente o último indicador a se mover em cenários de crise, está subindo. A indignação popular, no entanto, não se concentra apenas em Dilma, mas no PT como um todo. Vários membros da cúpula do partido ou já foram condenados judicialmente, ou estão no centro de diversas acusações de corrupção. As duas manifestações antipetistas convocadas para março e abril levaram às ruas muito mais gente do que o petismo já conseguiu reunir.

Diante disso tudo, Lula finge que não é com ele. O ex-presidente aposta na memória fraca do petista e do brasileiro. Mas como ignorar que foi logo no início de seu governo que se tramou o mensalão? O esquema foi um verdadeiro golpe na democracia, como definiram ministros do Supremo Tribunal Federal, ao violar a independência entre poderes com a compra de apoio legislativo. E, fechada aquela torneira, abriu-se outra, a do petrolão, ainda durante o seu mandato. Como esquecer que Dilma Rousseff foi a escolha pessoal de Lula para sua sucessão (até porque as alternativas anteriores estavam todas enroladas com denúncias mil)?

E seria injusto culpar apenas Dilma Rousseff pela crise econômica atual. Se em seu primeiro mandato Lula manteve a política econômica de Fernando Henrique Cardoso, o que permitiu ao país aproveitar um bom momento da economia global, no segundo mandato do ex-presidente o tripé macroeconômico foi abandonado e substituído pela gastança sem freios, pela escolha de campeões nacionais, pela contabilidade criativa, estratégias executadas por Guido Mantega, uma das “heranças malditas” que Dilma recebeu de seu mentor.

Em outras palavras, foi Lula quem criou todas as condições que levaram à situação atual, em que Dilma e seu partido caíram no completo descrédito. Mas o ex-presidente, agora, pensa em sua sobrevivência política buscando distância daquilo que criou. Banca o santo e arroga-se o papel de “consciência” de Dilma e do PT, que só estão no buraco em que estão porque não ouviram seus sapientíssimos conselhos. Resta saber quem está disposto a comprar esse discurso oportunista.

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