Na última quarta-feira, o governador Beto Richa foi a Brasília apresentar algumas demandas paranaenses ao governo federal. Não falou com a presidente Dilma Rousseff, nem com o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante: seu interlocutor no Executivo federal foi o vice-presidente, Michel Temer.
Tudo porque Dilma resolveu atender ao conselho do cantor e compositor Jorge Ben Jor (referindo-se a Tim Maia): “chamou o síndico” para prestar-lhe socorro para sobreviver ao atoleiro político em que se afundou. Feita refém da rebeldia e da “independência” dos presidentes da Câmara e do Senado, deputado Eduardo Cunha e senador Renan Calheiros, ambos do PMDB, a presidente já não consegue dialogar com o Congresso e – contra todos os costumes da política nacional – perdeu condições de aprovar matérias do interesse do Executivo nas duas casas do Congresso. Daí a necessidade de chamar Temer (que, além de ser vice-presidente da República, é cacique do PMDB), acreditando ser ele capaz de construir a sonhada ponte de interlocução com o parlamento.
O recurso a Temer foi o “plano D” de Dilma após o fiasco de sua tentativa de deslocar o ministro da Aviação, o peemedebista Elizeu Padilha, para a secretaria de Relações Institucionais da Presidência, com a missão de pacificar os espíritos. Aliás, produziu-se aí um fato por si só inusitado: Padilha recusou publicamente a troca pedida e já anunciada pela própria presidente! Considere-se, porém, que a recusa foi um fato menor em meio às vicissitudes políticas que perseguem Dilma, vítima também de enfrentamentos desgastantes com seu padrinho e criador, o ex-presidente Lula, que a colocou na Presidência; e com o PT.
Há quem pense que “articulação política” é o trabalho de domesticar o Legislativo para que cumpra todas as vontades do Executivo
A turbulência põe à mostra o isolamento a que está submetida a presidente. Já não conta com a fidelidade da base, formada majoritariamente pelo PT e pelo PMDB, ao mesmo tempo em que tenta não parecer submissa às orientações e intromissões de Lula. Por outro lado, defronta-se com a crise econômica que paralisa o governo e o país, tentando aplicar-lhes remédios que, embora contrariem o esculápio petista, não chegam a convencer a desconfiada oposição e muito menos recebem o apoio da base. Em suma, o Brasil vive uma situação preocupante. Esvaiu-se grande parte daquilo que se denomina de governabilidade, que se confere a uma situação política minimamente estável e que permita a um governo democraticamente eleito executar o programa que propôs.
Mas há quem pense que “articulação política” é o trabalho de domesticar o Legislativo para que cumpra todas as vontades do Executivo. Nada mais errôneo. É salutar, no republicanismo previsto na Constituição, que os poderes, independentes, mas harmônicos, ajam entre si na forma de freios e contrapesos – noção que nos foi legada por Montesquieu e que defende a ideia de que não há liberdade sem equilíbrio entre os entes que compõem o Estado. Qualquer desequilíbrio em favor de um poder em detrimento dos demais fatalmente leva à tirania.
Retomar o equilíbrio perdido é, portanto, uma necessidade inadiável para o país. O entendimento político entre contrários faz parte da sã convivência democrática desde que voltado para o bem coletivo e alcançado por meios éticos. Mensalões, petrolões e propinagens para compra de votos parlamentares decididamente não são caminhos aceitáveis para estabelecer a governabilidade e o equilíbrio.
Temer, veterano político que fez carreira sob as sombras de silenciosas confabulações, parece possuir qualidades para estender tapetes entre o Executivo e o Congresso; entre o PT e o PMDB, os partidos mais afoitos por cargos e mandos. Neste sentido, sua designação por Dilma para que cumpra esta tarefa poderá obter resultados melhores do que os intentados por aqueles que, por dever de ofício, deveriam cumprir a missão – casos do próprio Mercadante; de Pepe Vargas, que estava na pasta das Relações Institucionais e acabou movido para os Direitos Humanos; e do trio formado pelos ministros Padilha, Gilberto Kassab e Aldo Rebelo, convocados para ajudar na coordenação política quando a situação começou a ficar mais complicada.
No entanto, pairam dúvidas. Não apenas em relação à real habilidade de Temer para domar os ímpetos de Eduardo Cunha e Renan Calheiros, mas também em relação aos interesses que, como dirigente do PMDB, ele venha a representar durante as negociações de que foi encarregado. É esperar para ver.
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