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editorial

O remédio que é veneno

Quem, diante de uma grave crise, sugeriria como solução para ela as mesmíssimas ações que ajudaram a criar o cenário negativo que se tenta superar? Pois diversas entidades, incluindo a Fundação Perseu Abramo, vinculada ao Partido dos Trabalhadores, lançaram dois textos, intitulados “Mudar para sair da crise – alternativas para o Brasil voltar a crescer” e “O Brasil que queremos – subsídios para um projeto de desenvolvimento nacional”, em que propõem exatamente isso: abandonar qualquer tentativa de ajuste fiscal e retomar a “nova matriz econômica” que caracterizou a condução da economia brasileira desde o segundo mandato Lula.

O ajuste, segundo o início do primeiro volume, é movido pela “defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimento”, e não pela necessidade de colocar em ordem contas públicas dilaceradas por anos de gastança desenfreada. Os bancos e fundos “querem capturar o Estado e submetê-lo ao seu estrito controle, privatizar bens públicos”, descrição que parece adequada ao método de governo do PT, que na prática apossou-se de estatais como a Petrobras em proveito próprio, de acordo com as investigações da Operação Lava Jato.

Os sinais de recessão já vinham pelo menos desde o segundo semestre de 2014

Como não era difícil de prever meses atrás, os signatários dos documentos colocam a culpa do caos econômico no ajuste, que “está jogando o país numa recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento”. Nada mais incorreto, pois os sinais de recessão já vinham pelo menos desde o segundo semestre de 2014 e analistas já alertavam para as consequências trágicas da “nova matriz econômica” desde bem antes disso (o documento não deixa de atacar a imprensa, que teria contribuído para a crise ao disseminar o “pessimismo”). No entanto, alguns indicadores, como o nível de emprego, demoram a dar sinais de esgotamento, o que só começou a acontecer após o início do segundo governo Dilma e do ajuste fiscal. Isso criou o cenário para a aplicação de uma falácia conhecida pela expressão latina post hoc, ergo propter hoc, segundo a qual uma relação de antecedência necessariamente significa uma relação de causalidade. No caso em tela, aplica-se essa falácia ao dizer que, já que só depois do ajuste o desemprego começou a crescer, o dólar disparou e o Brasil foi rebaixado, esses resultados só podem ter sido causados pelo ajuste, quando na verdade foram consequência da condução desastrada da economia que o ajuste tentava consertar.

Os autores tratam com desdém as reformas do Plano Real, que permitiram a estabilização econômica, e o tripé macroeconômico formado por câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal (os anos 90 são descritos como os da “desastrada experiência neoliberal”); implicitamente, dão crédito à narrativa de que o Brasil só começou a progredir a partir de 1.º de janeiro de 2003, com a posse de Lula. E dão diversas sugestões para superar a crise, como regular o mercado de câmbio, retirar os investimentos do cálculo do superávit primário, aumentar ainda mais a carga tributária (o documento critica a política de corte de gastos) e retomar a estratégia do crescimento pelo consumo interno. O enxugamento da estrutura do Estado e o estímulo à poupança passam longe do ideário defendido nos textos.

Curiosamente, o trecho do primeiro documento que trata de “destravar os investimentos públicos e privados” (tratando estes como subordinados àqueles) tem uma menção velada à Operação Lava Jato, ao afirmar que “a rápida resolução das crises no setor de engenharia e petróleo e gás no Brasil também são fundamentais (sic) para a retomada do investimento”, como se houvesse apenas uma mera “crise”, e não o desmonte de uma bilionária estrutura de corrupção envolvendo estes setores e facilitada pelo gigantismo estatal. O segundo documento – que cita nominalmente a Lava Jato – pede a punição dos “crimes cometidos pelos diretores” das empreiteiras, sem nem sequer mencionar os agentes políticos que permitiram a pilhagem da estatal.

Protagonismo cada vez maior do setor público como indutor e financiador da atividade econômica, intervencionismo, desprezo pela responsabilidade fiscal, repetição de estratégias fracassadas – tudo isso, claro, com reforma política que consagre o financiamento exclusivamente público de campanhas e o voto em listas fechadas, sem falar da “democratização da mídia”, eufemismo para controle estatal. Eis a fórmula dos think tanks petistas para tirar o Brasil do atoleiro em que se meteu justamente graças à aplicação de boa parte desse receituário.

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