Passado o impacto inicial e o choque com as informações repassadas pelos responsáveis pela Operação Carne Fraca, fica evidente que há diversos fios soltos que ainda precisam de esclarecimentos. A Polícia Federal foi especialmente criticada pela falta de critério em alguns detalhes de ordem técnica, como o suposto potencial cancerígeno do ácido ascórbico, e alguns erros bastante primários, como o caso em que o papelão, de embalagem, passou a ser ingrediente de carnes adulteradas. Mas há questões de outra natureza ligadas à maneira como a operação – ou pelo menos seu anúncio – foi conduzida, e que precisam ser analisadas.
As críticas, no entanto, não minimizam a gravidade do que foi descoberto. Em primeiro lugar, houve a constatação de que há frigoríficos adulterando alimentos e colocando no mercado carne vencida ou estragada. É uma situação gravíssima que coloca vidas humanas em risco (comparável apenas, talvez, à adulteração de medicamentos) e que revela um enorme grau de degradação moral por parte dos empresários responsáveis por essa prática e dos fiscais que fizeram vista grossa para o enorme risco à saúde pública.
Os policiais federais não podiam desconhecer, ou desprezar, a repercussão que os fatos teriam
Além disso, a PF desbaratou um esquema de corrupção e extorsão envolvendo agentes públicos e que tem tudo para se mostrar ainda mais amplo do que a divulgação inicial parecia indicar. A constatação de que as nomeações políticas eram o tom no Ministério da Agricultura e nos serviços de inspeção sanitária lembram a estrutura montada para pilhar a Petrobras, no escândalo investigado pela Lava Jato, com possíveis ramificações no financiamento de partidos políticos, ou seja, muito além do enriquecimento pessoal deste ou daquele funcionário. Não há outra reação possível a não ser aplaudir o trabalho investigativo que trouxe à luz este esquema.
Mas a divulgação das informações levantadas pela Carne Fraca pecou, e muito, ao criar uma impressão equivocada sobre a dimensão do esquema. Justamente por se tratar de um tema tão sensível como é a adulteração de alimentos, os policiais federais não podiam desconhecer, ou desprezar, a repercussão que os fatos teriam. Olhando para o que foi divulgado até agora, parece claro que o escândalo de corrupção tem dimensões bem maiores que a questão sanitária. No entanto, privilegiou-se esta em detrimento daquela, ainda por cima cometendo equívocos como os já mencionados, o que criou um alarmismo injustificado entre a população e, posteriormente, acabou manchando a imagem da própria PF.
Inadvertidamente ou não, a maneira como os dados foram apresentados colocou sob suspeita, em sua totalidade, tanto a cadeia da carne – que gera inúmeros empregos e lida com a mais básica das necessidades materiais, o alimento – quanto o rigor da fiscalização. O potencial explosivo do escândalo e as consequências da divulgação dos casos de adulteração sobre a população tornavam necessário, por exemplo, ressaltar que os 21 frigoríficos investigados representam menos de 1% das quase 5 mil unidades sujeitas a fiscalização sanitária no país.
A generalização indevida ainda mostrou que não houve consciência do impacto econômico que tal anúncio teria. O Brasil é o maior exportador de carne bovina e de frango do mundo, e um dos líderes em exportações de suínos, embarcando diariamente uma média de US$ 63 milhões em carne. Isso até a operação da PF, pois depois dela diversos países suspenderam completamente as importações de carne brasileira; poucos foram os países ou blocos mais criteriosos a ponto de vetar apenas a compra de produtos oriundos dos frigoríficos investigados.
Uma comunicação mais objetiva, precedida por consultas a outros órgãos e checagem rigorosa dos aspectos técnicos e sanitários envolvidos, e que ressaltasse a exata dimensão do esquema dentro da cadeia produtiva nacional, evitando generalizações indevidas, teria conquistado respeito sem causar pânico e preservando o empresário honesto, que agora paga um preço que não merecia pagar.
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