O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deu na quarta-feira (10) um sinal preocupante dos efeitos que pode trazer a postura adotada pelo governo interino nas negociações com o Congresso. Meirelles foi colocado na linha de frente para declarar que as mudanças no projeto de renegociação das dívidas dos estados não provocaram a perda de força da equipe econômica. O risco para o país é ele ter negado o que pode se tornar logo um fato aos olhos de quem acompanha a política nacional.
A negociação das dívidas dos estados foi o primeiro projeto de lei importante para o presidente interino Michel Temer a entrar em votação depois da volta do recesso parlamentar. É uma herança deixada por Dilma Rousseff, que caiu na tentação de rever indicadores de dívidas renegociadas no passado e abriu a brecha para que os entes da federação questionassem na Justiça os pagamentos feitos à União. Financeiramente quebrados, eles só deixaram ao governo federal a opção de negociar.
Entre se colocar como um estadista ou fazer o jogo político de Brasília, Temer escolheu a segunda opção, pelo menos até este momento.
A nova equipe econômica defendia que os estados só recebessem os benefícios do projeto, como a carência para retomar os pagamentos e a redução nos juros, se cumprissem compromissos que limitassem seus gastos. A pressão dos governadores e das bancadas estaduais levou a uma amenização gradual das condições, até o texto ficar bastante desidratado. Itens como a inclusão dos gastos com terceirizados do Ministério Público e da Justiça para o cálculo do teto para pagamento do funcionalismo foram excluídos do projeto. Na noite de terça-feira (9), vendo o risco de ser derrotado, o governo aceitou até mesmo retirar do texto o artigo que previa o congelamento nos reajustes para os servidores por dois anos.
Entre se colocar como um estadista ou fazer o jogo político de Brasília, Temer escolheu a segunda opção, pelo menos até este momento. E isso obrigou o ministro da Fazenda a sair a público para atenuar o dano dessa primeira negociação à imagem do governo. O precedente é perigoso, ainda mais em um momento em que a equipe econômica dependerá do Congresso para aprovar outros pontos do ajuste fiscal que são mais relevantes do que a dívida dos estados.
A equipe econômica é o fiador de Temer. Ao levar nomes de primeira linha para cuidar da economia, o presidente interino sinalizou que trabalharia para montar de forma rápida uma estratégia capaz de tirar o país do ciclo de déficit público crescente, inflação alta e crescimento baixo. A construção dessa saída está mais lenta do que o esperado e, agora, fica evidente que ela pode demorar ainda mais por causa da dificuldade de se erguer uma base sólida no Congresso.
A história recente ensina uma lição que pode ser útil a Temer. Quando assumiu a Fazenda no início de 2015, Joaquim Levy ficou isolado e não teve poder para convencer o Legislativo sobre a importância do ajuste fiscal, cujos projetos foram desfigurados no Congresso. A confiança dos agentes econômicos desapareceu no mesmo ritmo com que o ministro foi enfraquecido.
A postura do governo Temer ainda pode mudar e evitar destino semelhante. O impeachment, como prova a votação de terça-feira, em que 59 senadores aceitaram o relatório que leva Dilma a julgamento, está muito próximo. No início de setembro, passada a interinidade, Temer poderá impor um novo ritmo nas conversas com o Congresso. Isso não significa se sobrepor à função constitucional do Legislativo, mas sim demonstrar de forma veemente que o país espera soluções consistentes do mundo político. A negociação paternalista não tem mais espaço na pauta nacional.
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