Que os acontecimentos tenham se dado nesta ordem não é coincidência: primeiro, o governo, de forma inédita, envia ao Congresso um projeto de lei orçamentária para 2016 que prevê déficit primário de R$ 30,5 bilhões; depois, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s, a primeira a ter dado ao Brasil o grau de investimento, em 2008, também se torna a primeira a retirar do país o selo de bom pagador. Por fim, o governo reúne, no último fim de semana, parte da sua equipe para definir, às pressas, um pacote que permita ao país terminar o próximo ano com algum superávit primário, correspondente a 0,7% do PIB – e, com isso, ainda evitar novos rebaixamentos, esses que, segundo Lula, “não significam nada”, avaliação da qual o governo parece discordar, pela rapidez com que se mexeu. O resultado foi apresentado na segunda-feira pelos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa.
As medidas de ajuste, no total, somam R$ 65 bilhões – resultado da soma da contenção de gastos com receitas adicionais, ou seja, aumento de impostos. A cota de “sacrifício” do governo, no entanto, é de apenas R$ 26 bilhões. Ou seja, como de costume, a maior parte da carga foi jogada nas costas do cidadão brasileiro, trabalhador ou empresário. Como dar crédito a um “esforço fiscal” em que o poder público não toma para si o grosso das medidas necessárias para colocar as contas em ordem? No último domingo, afirmamos neste mesmo espaço que a sociedade até poderia compreender a necessidade de alguma elevação temporária de impostos se visse, por parte do governo, um esforço sincero de enxugamento. Mas, quando Dilma Rousseff, Levy e Barbosa montam um pacote em que o aumento de impostos tem papel maior que a contenção de despesas, a indignação do brasileiro é mais que legítima.
O pacote joga a maior parte do sacrifício nas costas da sociedade e arranha de modo apenas superficial um problema crônico do Estado
O governo ainda lançou mão de um truque muito conveniente em sua ânsia por mais arrecadação. Na coletiva dos ministros Levy e Barbosa, na tarde de segunda-feira, a alíquota da “nova CPMF” – cuja criação tinha sido cogitada, descartada e agora foi novamente colocada na mesa, apesar de ainda ter de ser aprovada pelo Congresso – era de 0,2%. Na noite daquela mesma segunda-feira, ela já tinha quase dobrado, para o já conhecido 0,38%. Nesse meio tempo, houve um jantar reunindo Dilma e 19 governadores. O objetivo? Convencer os chefes dos Executivos estaduais a persuadir as respectivas bancadas parlamentares para que aprovem a maior alíquota, permitindo que os estados levem uma parte do que for arrecadado. Dilma, assim, não arcaria sozinha com a responsabilidade (e a impopularidade) pela criação do novo imposto.
Como se não bastassem os fatos de os cortes de gastos governamentais representarem menos da metade do pacote e de a população ter sido iludida sobre a verdadeira alíquota da “nova CPMF”, o desmembramento dessa redução de despesas deixa escancarado outro fato escandaloso. Houve cortes bilionários no PAC e no Minha Casa, Minha Vida; e economias igualmente bilionárias com o adiamento do reajuste dos servidores públicos e com a suspensão de concursos (dando continuidade ao estelionato eleitoral, pois Dilma e o PT afirmavam enfaticamente que era Aécio Neves quem transformaria num inferno a vida dos “concurseiros”, se fosse eleito). Mas a trombeteada redução de ministérios e cargos de confiança resultará em uma economia de apenas R$ 200 milhões, menos de 0,5% do total do pacote. Ou seja, o inchaço da máquina administrativa continuará firme e forte, a depender da vontade de Dilma Rousseff.
Em resumo, trata-se de um pacote que joga a maior parte do sacrifício nas costas da sociedade e que arranha de modo apenas superficial um problema crônico do Estado. Se o brasileiro ainda tinha alguma esperança em relação à capacidade deste governo de fazer a coisa certa para frear a deterioração dos indicadores econômicos do país, o anúncio de segunda-feira deverá servir como uma pá de cal no otimismo.